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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Viagens - Picada Café RS



Vista parcial da cidade de Picada Café


Picada Café é uma cidade da região nordeste do RS, situada no vale do Rio Cadeia. Cercada por morros da Serra Geral gaúcha, suas pequenas planícies são recortadas por arroios e pelo Rio Cadeia, que tem este nome por causa das cadeias de montanhas configurando o seu relevo. Sua distante história começa por ter sido escolhida como caminho de tropeiros que abriram na região uma “picada”, com o intuito de promover o seu descanso e beber café. Na verdade, não existem cafezais em Picada café, pois o clima não é favorável ao seu plantio.


O Pórtico de Picada Café


A chegada dos imigrantes começou lá pelos idos de 1844. Naquela época, a localidade pertencia ao município de São Leopoldo. Depois, em 1875, passou a ser distrito de São Sebastião do Caí. No ano de 1954, passou a pertencer ao município de Nova Petrópolis, emancipando-se finalmente no ano de 1992. No âmbito da Justiça Estadual, está vinculada à comarca de Nova Petrópolis.


O centro de Picada Café


Picada Café abrange localidades não-emancipadas, como Joaneta, Jammerthal, Morro Bock, Quatro Cantos, Picada Holanda e Lichtenthal. Em Quatro Cantos - via BR 116 -, encontramos o Mirante, de onde se tem uma vista panorâmica da região central da cidade. A localidade de Jammerthal tem a particularidade de possuir uma belíssima cachoeira. Um local turístico importante para visitação, situado na sede do Município, é o Parque Histórico Municipal Jorge Kuhn, com casas, galpões, moinhos e edificações típicas dos imigrantes alemães.


A Capela de Nossa Senhora da Visitação, na localidade de Picada Holanda


Picada Café possui uma igreja luterana e quatro igrejas católicas. A Igreja São João, de confissão luterana, está situada no bairro São João. A Capela Ecumênica Nossa Senhora da Visitação, que em 1997 foi transformada em Patrimônio Histórico do Município, situa-se em Picada Holanda e foi construída em 17/01/1853. A primeira construção da capela provavelmente tenha sido feita em madeira, sendo esta finalizada em 02/07/1854. O Padre austríaco João Sedlac foi o primeiro padre da Capela de Picada Holanda, o qual chegou a Porto Alegre em 14/07/1849. No ano de 1881, sua atual construção em estilo românico foi concluída.



Cercada por montanhas, Picada Café reserva belas paisagens ao visitante


Além destes templos, citam-se a Capela Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no centro de Picada Café, que foi fundada em 13/02/1955, a Igreja Santa Joana Francisca de Chantal situada na localidade de Joaneta e a Igreja Sagrada Coração de Jesus, localizada em Jammerthal, junto a um cemitério (kirchof), cuja construção é do ano de 1898. O primeiro casamento foi celebrado em 1885. Picada Café possui nove cemitérios, dado importante para os pesquisadores e genealogistas. São cinco luteranos e quatro católicos. Os católicos são o de Picada Café, o de Picada Holanda (fundado entre 1850 e 1860), o de Joaneta e o de Jammerthal (1845).



A VISÃO DE UMA VIAJANTE


Picada Café, a cidade dos lírios, vai surgindo após o percurso de muitas curvas da estrada sinuosa que leva à serra gaúcha, sendo ladeada por plátanos, árvore-símbolo da chamada Rota Romântica. É uma pequena cidade serrana, irregular em seu traçado, com inúmeras casas ajardinadas, pomares, hortas e propriedades rurais. No centro, há ainda poucos edifícios, predominando as casas. A maioria de suas edificações está espalhada pela região, e boa parte repousa ao pé dos morros cobertos por densa vegetação de mata nativa. Encontramos casas em “estilo” enxaimel, que, na verdade, soube não se tratar de um estilo, mas de uma técnica construtiva. Esta técnica é encontrada em estilos como o Renascentista e o Barroco de diversos países, sendo escolhido pelos imigrantes devido à abundância de madeiras e de pedras grés na região.



Moinho no Parque Histórico Municipal Jorge Kuhn

 
O que me levou a procurar conhecer Picada Café? Este local foi o escolhido por meus antepassados que levam o sobrenome Göller, vindos da Alemanha em 15/11/1846. Através de minhas pesquisas, da coleta de informações - estas até mesmo desconhecidas pelas atuais gerações - descobri este ponto de partida, este remoto começo. Hoje, a cidade já não é mais habitada por seus descendentes, talvez por mais de um século...



Reconstituir o passado é como costurar uma colcha de retalhos de pequenas descobertas. E a imaginação vai dando-lhe o acabamento, vai preenchendo os vazios, cerzidos com a linha invisível da intuição. Nesta cidade, mais precisamente em Picada Holanda, localidade pertencente à Picada Café, e que fica a uns 4 km do centro da cidade, viveram minha tataravó Susanna, nascida Lunkenheimer, meu trisavô Johann Göller e suas irmãs Anna Maria, Elisabeth e Clara. Meu tataravô Jakob havia falecido na Alemanha, e a pequena família optou por seguir um novo rumo num país desconhecido, vindo dar nestas distantes paragens.

Vista de Picada Holanda com a Capela de N. Sª da Visitação ao fundo


Mais tarde, Johann conheceu minha trisavó Margarida Schmitz, e foi residir em Picada Feijão ou Bohnenthal, localidade de Ivoti. Deste casamento, tiveram vários filhos que, posteriormente, migraram para lugares diversos do Rio Grande do Sul. Johann faleceu em 27/07/1882, deixando a viúva e alguns de seus filhos ainda menores. Lá pude encontrar marcas da passagem dos Göller, através das lápides de alguns de seus descendentes.


Embora haja vários registros obtidos na Cúria Metropolitana que conduzem ao cemitério de Picada Holanda, dentre o número considerável de túmulos muito antigos, não pude localizar as lápides de minha tataravó e nem as de suas filhas. Por informação de um livro especializado, está descrito o registro tumular de Anna Maria, casada com Nicolau Schabarum, mas estranhamente ele não foi encontrado, apesar de existirem em bom estado os túmulos de seu esposo e de seu filho.



A Pousada Camponesa - Picada Café RS


NA POUSADA CAMPONESA


Aqui estou nesta pousada encantadora, na sacada do meu quarto, apreciando os grandes morros que contornam a cidade. Alguns destes, por assim dizer, parecem se desvanecer no ar úmido, num prenúncio de chuva, provavelmente para o dia de amanhã. Ao lado do prédio, balança-se ao vento o denso bambual plantado junto ao galpão, e o seu movimento é percebido pelos sons agradáveis que produz em contato com o vento. E o frio da serra vai tomando o lugar do calor absurdo que tivemos neste mês de agosto. Aos poucos, aquele vai reinando absoluto nesta parte dos domínios serranos. Aqui, parece-me que tudo está como deveria ser. Pensando bem, a paisagem não deve ter mudado muito neste último século e meio, o que me leva à proximidade do ontem, como se o tempo não tivesse passado. Assim, seriam os mesmos os dias de sol, os dias nublados ou os de chuva, o mesmo céu noturno com as mesmas constelações, as mesmas árvores centenárias... A natureza permanece como fiel depositária dos cenários de outrora.


Vem-me à mente o que disse o poeta Fernando Pessoa: “... e o sol é sempre pontual todos os dias...”. Assim foi e assim sempre será. Ano após ano... De repente, o som de uma flauta tocada pela filha da dona da pousada atravessa como uma seta o véu invisível do silêncio. E uma melodia distante e desconhecida suaviza este final de tarde. Por ela flutuam meus pensamentos e o meu refletir sobre a relatividade do nosso tempo...



A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - Picada Café RS


NA CAPELA, AO CAIR DA TARDE


A Dona Cecília, minha anfitriã, convidou-me a assistir a uma missa, às 18 horas, na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no centro de Picada Café. Animei-me a ir. Fomos de carro, embora o trajeto fosse curto. Antes de começarem os ritos, fiquei apreciando o interior da Capela. Nos vitrais, foram colocados os nomes das famílias responsáveis pelos recursos a eles destinados, representando com este gesto a existência das famílias mais influentes da comunidade. Como a Capela foi fundada em 13/02/1955, penso que ela não fez parte da longínqua história de minha família. Digo isto ao lembrar-me do único batismo que fora realizado naquela celebração. Na associação de fatos, é inevitável lembrarmo-nos dos casamentos e batismos realizados no passado. Num quadro à frente, perto do altar-mor, estava escrita a mensagem: “Coragem, não tenhas medo!”. Do sermão do Padre Pedro, guardei a recomendação de que, como o nosso barquinho não agüenta sozinho navegar nas tempestades da vida, precisamos deixar Deus entrar nele para seguirmos em paz o nosso curso sem naufragar.



UM CONVITE


Dona Cecília e o seu esposo Marino convidaram-me a degustar um carreteiro que seria ofertado no Pavilhão contíguo à Capela após a missa. Iríamos lá mais tarde. Na semana anterior, houve uma comemoração na cidade, uma grande quermesse, parecendo que o pessoal ainda guardava um pouco da animação daquele evento. Quando chegamos, estavam a beber os seus aperitivos, sempre falando em alemão e rindo muito. Eles falam um dialeto da região do Hunsrück, que fica na região dos rios Mosela e Reno. A maioria dos ancestrais da comunidade veio da Renânia-Palatinado na Alemanha. Os meus vieram da cidade de Dörrebach (ou Doerbach). Jantamos, nos divertimos com o sorteio de brindes, alguns inusitados, como um casaquinho de lã cor-de-rosa para uma recém-nascida sorteado por um provável vovô... Não muito tarde, fomos dar algumas voltas de carro, e voltamos para a Pousada.



No Parque Histórico Municipal Jorge Kuhn


O domingo foi frio e chuvoso. Bateu a vontade de voltar para casa, para o meu aconchego. À tarde, despedi-me da Dona Cecília e de seu marido Marino, donos da Pousada Camponesa. Foram pessoas maravilhosas. Fui de táxi até Nova Petrópolis. Durante a viagem de ônibus, na volta, a chuva bateu forte na estrada e havia muita neblina. No trajeto, fiquei elaborando algumas impressões. O que estava levando na minha bagagem? Era como se me tivessem ofertado “do outro lado” uma acolhida muito terna, simples e tocante, operada através de pessoas estranhas, que ainda cultivam os costumes locais. Digo isto, porque viajei muito triste, por motivos que nada tinham a ver com a viagem. De algum modo, senti-me reconfortada e até mesmo homenageada. Houve também o resgate de algo que estava me fazendo falta: o relacionamento humano sincero e desinteressado. No final da tarde, já estava de volta a Porto Alegre. A vida retomava o seu curso...


Texto de 2005 revisado, com algumas fotos posteriores.




                     

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