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terça-feira, 14 de maio de 2013

Memórias de Família I


AS LEMBRANÇAS DE MINHA AVÓ IDALINA SCHMITZ GÖLLER

 

Idalina ( 57 anos) com os netos Roberto Wagner e Vânia Marli Goeller na frente da casa de Pareci Novo - 16/02/1950



As lembranças de infância, à medida que ia crescendo, tornavam-se flashes na minha memória, que eram acompanhados de sensações, de cores e de aromas... Lembro-me, por exemplo, que gostava de ganhar de presente o perfume White Magnólia, de sentir o aroma dos cravos vermelhos e do cheiro que o vento trazia das “queimadas”, que eram comuns nas comunidades daquele tempo, quando nós viajávamos para a casa de minha avó Idalina em Pareci Novo.



Idalina (37 anos) ao fundo e os filhos Gerda, Guisella, Flávio, Victor e Egon - 1928/1929 - Pareci Novo RS 


Lembro-me que fomos diversas vezes até esta cidade do interior do Rio Grande do Sul visitar a nossa única avó que conhecíamos. Ela morava numa casa térrea simples, com dois quartos, uma sala grande e uma cozinha equipada com fogão à lenha. A avó tinha o costume de cozinhar com banha, e lembro-me das batatas fritas que ela nos servia e que eram cortadas em pedaços graúdos. Tinham um sabor inigualável... Na parte da frente da casa, pendiam os galhos das árvores que forneciam uma boa sombra, principalmente na época do verão. O banheiro ficava do lado de fora, na conhecida “casinha”, bem típica dos velhos tempos das moradas de interior... A casa, na verdade, havia sido bem maior, consistindo em três casas geminadas. A avó residia na do meio, e as demais eram alugadas a inquilinos. No longínquo passado, elas se comunicavam. Este foi um modo que ela encontrou para sobreviver financeiramente.



A casa de Pareci Novo - Década de 1940


Nos fundos da casa, havia plantações de hortaliças e árvores frutíferas, como o butiazeiro, com seus pequenos frutos carnudos que eram uma delícia, e as bergamoteiras que viviam sempre “carregadinhas”. Não faltavam o galinheiro e o chiqueiro para a criação de galinhas e porcos, estes criados costumeiramente pelos imigrantes alemães e seus descendentes. Naquela época, nas imediações, havia poucas casas e alguns matos em volta da morada de minha avó.



Com minha avó (63 anos) e meu irmão Roque - 1956 - Pareci Novo RS


Lembro-me das noites quentes de verão, quando ficávamos sentados em frente à sua casa. Ouvíamos o coral de sapos coaxando, acompanhado da orquestra de grilos invisíveis, o lamento de algum cão latindo ao longe, talvez inspirado pela luz incomum da lua cheia, e admirávamos os vaga-lumes acendendo e apagando as suas minúsculas lamparinas, que vinham abrilhantar aquela festa noturna. Havia momentos, porém, em que dentro da noite reinava um silêncio admirável e eloquente, que era acompanhado solenemente pelo cortejo das estrelas...



O meu irmão Roque na porta da casa de Pareci Novo - 1952


Mais adiante, numa curva, se bem me lembro, ficava o bolicho onde eram feitas as compras do dia-a-dia das pessoas que ali moravam. Lembro-me de uma vez em que eu estava próxima ao bolicho e, como sabia da história de uma menina que havia sido mordida por um cão, tendo que tomar vacina antirrábica, ao ver um vira-lata vindo em minha direção, eu quase morri de medo de que me acontecesse o mesmo.


Perto da casa da avó, do outro lado da rua, vivia a Etelvina, que era uma figura e tanto... Bebia e contava histórias que a gente não sabia se eram realidade ou fantasia. Às vezes, a minha mãe conversava com ela, e se divertia com o seu linguajar, digamos assim, um tanto inusitado. Não muito longe dali, ficava a Igreja de Pareci Novo, porém não me lembro de como era o seu interior naquele tempo. Outras vezes, íamos visitar parentes ou conhecidos em outros locais do Município. Havia uma balsa para cruzar o Rio Caí para ir até a casa deles, algo diferente para a nossa rotina de crianças da cidade.



Aos 59 anos - 22/12/1951- Porto Alegre RS


Gostava de ir até Pareci Novo, embora não tivesse muitos confortos. Quando era noite e os mosquitos incomodavam, o pai acendia a espiral do “Boa-Noite” para afugentá-los. Esquentava-se água para o banho, não havia televisão, e a única diversão, além de brincar, era sentar nas cadeiras na frente da casa. Lembro até hoje da voz de minha avó, quando me chamava de “hertzchen”, que quer dizer “coraçãozinho” em alemão...


Na juventude, ela tinha cabelos escuros, mas somente lembro-me dela com os cabelos já bem brancos. Ainda era bem bonita. Tinha olhos azuis e usava brinquinhos de ouro e pedras azuis. Acho que eram águas-marinhas, da cor do céu e dos seus olhos... Falava, além do português, um dialeto do alemão, mas infelizmente o nosso pai não nos ensinou esta língua ancestral. No passado, a sua vida havia sido muito difícil, pois o meu avô morreu cedo, e ela teve que criar sozinha os cinco de seus sete filhos sobreviventes.



Aos 66 anos, com os filhos Egon, Flávio, Victor, Guisella e Gerda - 17/08/1958 - Porto Alegre RS


A minha avó passava alguns períodos com os filhos, ou seja, um pouco com cada um. Passou uns tempos lá em casa e teve alguns atritos com minha mãe sobre coisas que nem me lembro. Morando com a tia Gerda, recordo-me quando, já não muito longe de sua morte, fomos lhe visitar, e passei um bom tempo conversando com ela. Ficou encantada com isso, e disse ao meu pai que tinha gostado muito de eu lhe ter dado atenção. Esta lembrança é a mais cara que dela ainda conservo. Depois, teve problemas de saúde decorrentes da idade. Quando ela morreu do coração, aos 77 anos, na casa de minha tia em Porto Alegre, eu tinha 14 anos de idade. Não cheguei a ir ao seu enterro, que foi em Pareci Novo. Somente conheci o seu túmulo algum tempo depois.



A avenida principal de Pareci Novo RS


Um fato interessante que ocorreu é que, alguns dias depois de sua morte, eu não conseguia dormir durante uma determinada noite. Lá em casa, todos dormiam. Isso aconteceu no antigo apartamento da Rua dos Andradas. A porta do meu quarto ficava aberta, e eu comecei a ouvir uns ruídos estranhos na mesa da cozinha. A porta do quarto do meu irmão estava fechada e, de repente, escutei um “baque” surdo, como se uma pancada proposital tivesse sido dada contra ela. Foi terrível. Quase morri de medo e comecei a rezar. Quem sabe não era ela que teria vindo se despedir de nós?



O retângulo vermelho marca o local onde se localizava a antiga casa de minha avó - Google Earth


Depois de sua partida deste mundo, chegou a hora de a casa ser vendida pelos herdeiros. O problema maior é que, quando havia enchente, a casa ficava ilhada, e seria muito difícil para os filhos, que moravam em outras cidades, conseguirem mantê-la O proprietário seguinte a demoliu e, no seu lugar, uma nova morada foi construída, mas esta também deixou de existir. De certa forma, pelo menos para mim, a casa de minha avó continua existindo e, vez por outra, perambulo pelos seus cômodos, quando viajo pelos caminhos do tempo, criados na dimensão impossível dos sonhos...


Ao fundo, vemos o campo de futebol cercado, no terreno que havia sido de minha avó - 2011- Pareci Novo RS


Texto de 2003 revisado.


Nota da autora: após a morte de Idalina, a casa foi vendida nos anos 1970 para um parente da família Schmitz. Este a demoliu e, posteriormente, construiu no terreno uma nova casa. Conforme relato do primo Ricardo Wagner, o comprador do terreno e da casa da avó foi o seu sobrinho, Silfredo Adolfo Schmitz, ancestral do proprietário da Floricultura Pareci de Porto Alegre. A referida casa deixou de existir há muitos anos. O terreno foi desapropriado pelo Município, sendo integrado posteriormente à Praça Municipal Miguel Arraes. A rua onde Idalina Schmitz Göller residia chamava-se Rua Alegre. Atualmente, a sua denominação passou a ser Rua Professor Clemente Bohn Filho.



Voltando a Pareci Novo, na Praça Miguel Arraes - 2011





domingo, 21 de abril de 2013

Memórias de Família I



Carazinho RS


AS LEMBRANÇAS DE MINHA IRMÃ ENEIDA


Começo a breve história de minha irmã Eneida Göller, quando meu pai, que era bancário e funcionário do antigo Banco Agrícola Mercantil S.A. (também chamado de Banagrimer), foi transferido para a filial de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul, na data de 01/11/1947, quando tinha 26 anos de idade. Não sabemos o seu endereço neste período. Ele ficou noivo de minha mãe, que residia em Porto Alegre, casando-se com ela na data de 26/02/1949 em Alegrete, cidade-natal desta, localizada na fronteira do Estado. A partir de 05/03/1949, o casal hospedou-se no antigo Hotel Liberal e, posteriormente, foi morar num apartamento alugado.



Prédio (amarelo) do antigo Hotel Liberal de Carazinho


A mãe ficou grávida nos primeiros meses de casamento. Num determinado mês de gravidez, aconteceu um incidente. Ela havia subido num banquinho para alcançar uma prateleira, quando desequilibrou-se e caiu no chão. A esposa do gerente do Banco a levou para o hospital, voltando para casa depois de ser atendida. Posteriormente, contava que, no 8º mês de gestação, começou a sentir dores e desconforto. Dizia que os sintomas seriam provavelmente causados pela troca de lua, coisa que se dizia costumeiramente na gravidez. Possivelmente, ela não havia compreendido bem a gravidade da situação. Desta forma, ela foi conduzida para o Hospital de Caridade de Carazinho. Anos mais tarde, o pai contou ao meu irmão, que o parto teve que ser realizado, porque a vida de nossa mãe estava em risco. Havia uma chance de a Eneida sobreviver, e o futuro foi entregue nas mãos de Deus.


Pelos poucos detalhes que conhecemos, presume-se que a mãe teve pré-eclâmpsia, uma síndrome que se caracteriza por elevação da pressão sanguínea, perda de proteína pela urina (albuminúria), edema, entre outros sintomas, podendo evoluir em eclâmpsia, quando a paciente apresenta convulsões e vai ao coma. A cura é realizar o parto. Mas havia outro complicador: ela estava no 8º mês de gestação. Neste período, o feto apresenta imaturidade pulmonar. Existe uma substância chamada surfactante, que começa a ser produzida pelo pulmão do feto por volta do 6º mês de gestação e que tem a função de diminuir a tensão superficial dos alvéolos, para que eles não “colem”, quando o ar passar por eles nos primeiros movimentos respiratórios do recém-nascido. No 8º mês, como o feto entra numa fase de crescimento rápido e de ganho de peso, a quantidade de produção de surfactante não acompanha o tamanho do pulmão, não sendo suficiente para favorecer a respiração adequada ao recém-nascido neste mês crítico. A condição ideal é alcançada apenas no 9º mês. A melhor conduta teria sido realizar o parto no 7º mês, quando este problema poderia ser contornado. Não sabemos como foi o acompanhamento da gravidez de minha mãe, pois só restaram-nos os acontecimentos posteriores.



O Hospital de Caridade de Carazinho, que veio a se chamar Hospital Comunitário


Quando a Eneida nasceu, fizeram um sinal negativo com a cabeça. A mãe ficou preocupada. Dizia que ela apresentava “pintinhas” na pele. Contava que ela não chorou e, em seguida, a Eneida foi levada para outro local. Conforme as anotações de próprio punho de minha mãe, minha irmã veio ao mundo no dia 30/12/1949, às 17 horas e 30 minutos, numa sexta-feira, na lua quarto – crescente, mas veio a falecer no mesmo dia às 23 horas, tendo vivido cerca de 6 horas no Hospital de Carazinho. Um padre deu-lhe uma benção. Minha mãe ficou muito triste e abalada. A pequena Eneida foi sepultada no dia 31/12/1949, no Cemitério Municipal de Carazinho num túmulo perpétuo. Quem cuidou da manutenção do túmulo durante anos foi a Dona Antônia Martins dos Santos. Na data de 10/03/1950, meus pais, juntamente com a minha avó materna e uma irmã de criação de minha mãe, foram residir na cidade de Ijuí, para onde o meu pai foi novamente transferido. Meus pais voltaram a visitar Carazinho, fato comprovado pelas fotos datadas do ano de 1950.



Túmulo de Eneida Göller em 1950 (o sobrenome está com a grafia modificada)


Passadas algumas décadas, fomos eu, o pai e a mãe até Carazinho em meados do mês de novembro de 1983. Ficamos num hotel da cidade, e fomos visitar o túmulo da Eneida. Lembro-me bem daqueles belos dias de primavera: o céu estava límpido, azul e fazia muito calor. Depois de lavá-lo, pintei o túmulo com tinta prateada, pois estava precisando de manutenção. Tiramos algumas fotos naquela oportunidade. A mãe queria muito voltar a Carazinho, para rever “um pedaço dela” que havia ficado tão longe de nós. Naquela época, o meu pai já não se sentia muito bem. Os problemas com a pressão e o coração começavam a aparecer. A viagem o deixou muito cansado. Lembro-me que, naquela estada, na janela do quarto do hotel, havia uma persiana, dessas que possuem uma estrutura de metal em volta e que se projeta para fora. Nela, vinha pousar seguidamente um passarinho, um pardalzinho. Imaginei que talvez fosse o espírito dela que vinha nos brindar com a sua presença, sob a forma de um alegre passarinho...



Meus pais junto ao túmulo de Eneida - Nov/1983


Muitos anos se passaram, cerca de 30 anos, e retornei a Carazinho em 2012, na véspera de meu aniversário. Era como se estivesse na cidade pela primeira vez. Cheguei sob forte chuva, após um dia de intenso calor de verão. Isto me lembrou a primeira vez em que a mãe veio morar em Carazinho. Depois de chegar ao Hotel Liberal, caiu uma chuva pesada e ela observou que a chuva só esperou eles chegarem para começar a cair... Depois de deixar a bagagem no Hotel San Remo, num domingo, fui até a praça, pois a chuva havia passado e fiz as primeiras fotos e os primeiros reconhecimentos: a praça das lembranças de 1983, a igreja das fotos dos anos 40 e 50, um mosaico de recordações... No dia seguinte, no dia de meu aniversário, fui até o túmulo da Eneida, marcado com as transformações impiedosas da passagem do tempo e precisando de manutenção. Havia muitas mudanças no lugar, desde a última vez em que lá estive.



A praça central de Carazinho, que antes era chamada de Praça Brasil


No dia seguinte, fui ao Cartório pedir as certidões de minha irmã. A surpresa desagradável foi saber que ela havia sido registrada como natimorta, sem direito a um nome, contrariando o que sabíamos sobre os fatos. Parece que só havia a de óbito e que foi declarado por meu pai. O que teria havido? Talvez meu pai tenha recebido o documento do hospital dizendo que ela havia nascido morta e, naquela hora confusa e angustiante, tenha deixado o registro assim mesmo. Uma característica de meu pai era deixar as coisas inevitáveis do jeito que estivessem e não reclamando ou exigindo mudanças, diferentemente de minha mãe. Dela herdei este lado inconformado. Os fatos foram registrados por minha mãe e é neles que acreditamos. A explicação de só haver a de óbito me foi dada no Cartório, mas verifiquei posteriormente outra realidade nos livros de registros de nascimentos até 1940 de Carazinho, no Arquivo Público do Estado do RS (foram os que chegaram a esta Instituição), nos quais constatei que os natimortos também possuíam registros de nascimento.



Vista da Praça Iron Albuquerque - Carazinho RS


Segundo me informaram, somente nos anos 90 é que os natimortos passaram a ter livros próprios. O que pude apurar é que o médico que atestou o óbito foi o Dr. Athaídes Osório. Pela tarde, passei em frente ao Hospital de Caridade, mais modernizado, agora chamado de Hospital Comunitário. Ele começou a funcionar em 09/08/1942, segundo pesquisei. Algo me fez deixá-lo para trás o mais rápido possível. Nos dias seguintes, fiz alguns passeios e conheci diversos lugares, procurando partir de Carazinho sem guardar mágoas... A história de Eneida Göller, chamada por nós de Neidinha, foi breve neste plano em que vivemos, mas viveu tempo suficiente para que conseguisse ser eternamente lembrada por nós. Lamento a falta que esta irmã fez na minha vida. Lamento de ela não ter tido as oportunidades que nós tivemos, não ter sobrevivido, para conduzir a sua própria história. Mas ela conquistou o seu lugar para sempre, dentro do espaço infinito de nossos amorosos corações...


Texto escrito em Fevereiro/2012






quinta-feira, 11 de abril de 2013

Memórias de Família I


AS LEMBRANÇAS DE MEU PAI


Meu Pai - Carazinho, 1947


O meu pai não foi uma pessoa que demonstrasse de forma visível os seus sentimentos. Ele gostava de nós à sua maneira, externando os sentimentos do seu jeito peculiar. Mas estava sempre presente ao nos dar uma boa educação, fazendo com que nada de essencial nos faltasse. Quando éramos crianças, passeava conosco e íamos visitar parentes. Pena que, em seus últimos anos, tenha ocorrido um afastamento não-natural entre nós, pois a doença fez com que a cada dia nos reconhecesse menos. Seu sofrimento foi longo. Sua vida foi tremulando como uma chama que, bem devagar, foi ficando menor, cada vez menos intensa, até que finalmente se apagou. Sem despedidas, partiu como um estranho, esquecido - sem ter culpa - de quem ele realmente foi...



Texto escrito em 2003.



sábado, 30 de março de 2013

Memórias de Família I


AS LEMBRANÇAS DE MINHA MÃE

 

Minha mãe aos 6 anos de idade - 1932 Alegrete RS

Quero falar algo sobre a minha mãe e de algumas lembranças que tenho dela. Ela foi sempre muito dedicada a todos nós. Gostava de limpar a casa e manter as coisas em ordem. Quando passava cera e encerava o chão, o apartamento ficava em “estado de graça”. Parecia que tudo voltava ao seu início, isto é, àquela condição de “como deveria ser” um lar.


Era uma boa cozinheira e caprichava, quando havia convidados para o almoço ou jantar. Lembro-me do seu antigo livro de culinária Dona Benta. Naquela época, havia um programa de culinária na TV da Dona Mimi Moro, que nós gostávamos de assistir. Acho que não era tão brigona como eu sou, que fico furiosa quando as coisas ficam bagunçadas. Era mais tolerante com os filhos.



Minha mãe com o papagaio Louro - 1948 Alegrete RS


Ela sentia falta de ter uma profissão, um trabalho para que pudesse dispor de dinheiro para as suas necessidades. Meu pai não admitia que trabalhasse fora e deixasse os filhos sem assistência. Ela tinha muitos talentos. Sabia costurar. Fez até um curso de corte e costura. Fez muitas roupas para nós. Teve uma máquina de costura, daquelas pretas antigas de pedal, e depois outra máquina elétrica anos mais tarde. Nunca consegui lidar com aquilo. Não levo jeito para costurar com máquina. Houve um tempo em que ela trabalhou, por assim dizer, para uma lojinha na Rua Riachuelo, esquina com a Rua Caldas Júnior. Fazia roupas de crianças, como babeiros, camisas de pagão, etc., inclusive bordados. Para mim, fez vestidos, como aquela jardineira preta de feltro com aplicações de desenhos infantis e bordado com miçangas. Gostava muito desta roupa.


O casamento na cidade de Alegrete - 1949


Ela fez depois um curso de bordados, e fazia isto como ninguém. Lembro-me que ela tinha um “porta-linhas”, que confeccionou à máquina, onde eram colocadas ao comprido as meadas das Linhas Varicor. Bordava com miçangas, fios metálicos, linhas matizadas de seda, era um primor... Fez outro curso de bijuterias, e lembro-me de um colar de miçangas de várias voltas que fez para a sobrinha Alfonsina. Era da cor amarelo-âmbar. Era muito bonito. Às vezes, procuro estas casas que vendem bijuterias, para ver se encontro um parecido. Gostaria de tê-lo, pelo menos para ficar olhando para ele.


Festa de encerramento de um de seus cursos de artesanato  - 1983 Porto Alegre RS


Sabia fazer tricô. Fez blusas, casacos, mantas, xales e outras peças. Dela, ainda tenho os sapatinhos e gorros que fez para a Fernanda, quando esta ainda nem havia nascido. Tenho um sapatinho seu chamado de “Peter Pan”, com um pompom na ponta do pé. É um modelo que sabia fazer desde os seus tempos de mãe de primeira viagem. Fazia também crochê. Com ela aprendi os pontos básicos de tricô e de crochê. Fiz casacos e blusas, mas quando estava na adolescência. Ensinou-me também alguma coisa de bordado.



Depois, aprendeu a pintar em tecido, fez um curso de macramê e outro de bordado em talagarça. De macramê, fez bolsas e outras aplicações. As bolsas eram forradas e muito bem feitas. Certa feita, aprendeu um ofício: o de fazer empacotamento. Esperava poder trabalhar. Já tinha mais de 60 anos de idade. Mas não chegou a dar certo. Não sei se esqueci de mais algum curso...



Quando era menina, lembro-me de suas carteiras e bolsas sociais, dos leques, das luvas ¾, do colar de pérolas que o pai lhe deu de presente, do seu pó-de-arroz e do batom. Não usava outras maquiagens. Lembro dessas coisas que as meninas gostam de olhar e de usar e que pertencem às suas mães.



Festa de casamento: roupas e penteados dos Anos 60 - Porto Alegre RS


Ela gostava de contar as histórias de quando era menina, de falar do seu “papai” e da sua “mamãe”, como os chamava. Falava do gato “Mimi”, que uma vez fez sujeira e a irmã de criação esfregou o focinho dele na mesma, para que nunca mais fizesse aquilo. Teve também um cachorro, mas não me lembro do seu nome. Ela tinha muitas saudades da sua infância. Seu irmão tinha 19 anos a mais do que ela, e não teve um irmão com quem brincar. Gostava também de se lembrar de seus tempos do Colégio Ruy Barbosa, das suas amigas de internato no Colégio Nossa Senhora da Medianeira, amizades essas que cultivou até a sua morte.



Ela e o pai tiveram criações diferentes. O pai sofreu muitas privações, sobretudo em sua infância, o que fez dele uma pessoa um tanto reservada. Acho que posso dizer que ela se conformou com a situação de criar os filhos e não poder trabalhar fora. Acredito que seu amor por ele era verdadeiro, pois não o deixou desamparado, nem mesmo quando o pai ficou muito doente. A doença dele, na verdade, consumiu bons anos de sua saúde e de suas alegrias. Ficou muito triste quando ele morreu. Lembro-me de um sonho que ela teve, no qual a minha avó Idalina pediu-lhe que cuidasse dele até o fim. Isso aconteceu alguns anos antes do final inevitável. E ela cumpriu a sua missão.



Vestida de Papai Noel no Natal de 1987 - Porto Alegre RS


É uma pena nós ficarmos velhos e doentes. Isto vai “embaçando” o brilho que a vida antes nos proporcionava. Continua-se vivendo, mas as coisas vão perdendo o seu colorido. Nos últimos tempos, tinha seguidamente tonturas. A diabetes e a hipertensão contribuíram para o desenlace final, principalmente quando passou a usar insulina. Foi preciso usá-la, para poder operar a perna. Depois deste evento, embora tratada, a sua saúde entrou em crise e culminou com a sua morte.


Meus pais na cidade de Carazinho - 1950


Uma pessoa deve ser lembrada pelas coisas boas que realizou durante a sua passagem pela vida, pelo que eu definiria como sendo a sua marca registrada. Assim, ela nos deixou o seu legado através de seus atos, palavras, pensamentos e exemplos a serem seguidos, a fim de que fortalecêssemos as nossas qualidades e superássemos as nossas fraquezas.


(Texto escrito no ano de 2002)