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sábado, 16 de novembro de 2019

Memórias de Lugares Onde Morei I


RUA GENERAL BENTO MARTINS


Quando nasci na Maternidade do Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, o meu pai estava negociando a compra de um apartamento na Rua Riachuelo, a qual foi finalizada em 14/02/1956, quando eu tinha apenas oito dias de vida. Antes de nos mudarmos para lá, em 02/03/1956, ficamos morando provisoriamente na Rua General Bento Martins, nº 512, numa pensão familiar. Este sobrado existiu ainda por muitas décadas, não sei se como pensão ou moradia. Anos mais tarde, ao passar por lá, quando a porta do sobrado se encontrava aberta, vislumbrava uma escada comprida, que levava aos cômodos superiores. Ficava eu a imaginar como a minha mãe devia ter passado uns maus bocados, para subir e descer os inúmeros degraus, quando ainda estava grávida de mim... Deste tempo tão remoto, restaram os nomes de Eny de Oliveira Castro, funcionário público e o de José Carlos Mota Soares, bancário, que constaram na minha certidão de nascimento como testemunhas, os quais eram moradores da mesma pensão. Atualmente, o prédio está sendo reformado, depois que foi parcialmente demolido, em obedediência à determinação de conservação da fachada, por se encontrar no Centro Histórico de Porto Alegre. Resta aguardar para ver como será a sua nova aparência e qual finalidade terá...


Rua Bento Martins, 512 - 2013 - Foto: Lisete Göller
Rua Bento Martins, 512 - 2019 - Foto Lisete Göller






















Viajemos agora ao passado histórico desta rua. A atual Rua General Bento Martins teve seu nome adotado pela Câmara de Porto Alegre em 06/06/1870, em homenagem ao Barão de Ijuí. Hoje tem o seu início na Avenida Mauá, junto ao cais do porto, e o seu término na Rua Washington Luís. A personagem histórica que lhe emprestou o nome foi Bento Martins de Meneses (1818-1881), o Barão de Ijuí, nascido em Cachoeira do Sul RS, tendo este participado da Guerra dos Farrapos. O primeiro nome oficial desta via, dado em 1777, foi Rua do Arroio. Naquela época, ela tinha seu início nas imediações da Praça do Pelourinho (na Rua dos Andradas, próximo à Igreja das Dores), terminando na Praia do Riacho (na área da atual Rua Washington Luís). 


A Praça Pe. Tomé, antiga Praça do Pelourinho, tendo ao fundo a Igreja das Dores – Anos 1910


A Praia do Riacho deu origem à atual Rua Washington Luís – 1898 – Foto: Cores da Memória


Desconhecendo a sua denominação oficial, os moradores das redondezas lhe deram três apelidos, que correspondiam às seguintes secções:

Entre a Rua da Praia (Rua dos Andradas) e a Rua da Ponte (Rua Riachuelo) era chamada de Rua dos Pecados Mortais ou Rua dos Sete Pecados, porque ali existiam sete choupanas, que eram usadas para encontros amorosos, situadas estas nas proximidades do atual QG do Exército;

Entre a Rua da Ponte (Rua Riachuelo) e a Rua da Igreja (Rua Duque de Caxias) era chamada Rua do Jogo de Bola ou Rua da Bola, porque havia um comerciante chamado Antônio Pereira da Silva, dono de um armazém de secos e molhados, que criou um campo usado para uma espécie de jogo de bochas, nos fundos de seu estabelecimento, para que os fregueses pudessem jogar e saborear os petiscos e bebidas vendidos por ele;

Entre a Rua da Igreja (Rua Duque de Caxias) e a Rua do Arvoredo (Rua Fernando Machado) era chamada de Rua dos Nabos a Doze ou Rua dos Nabos, porque ali existia um comerciante, que vendia doze nabos por um vintém. 


Planta da cidade de Porto Alegre - 1906

Os destaques da antiga Rua do Arroio foram o Atelier Photographico Calegari, do fotógrafo Virgilio Calegari, italiano da cidade de Bergamo, que teve o seu primeiro endereço no número 40 desta via, sendo inaugurado em 1893.


O famoso fotógrafo Virgilio Calegari teve seu primeiro estúdio na Rua do Arroio nº 40


Vale referir também o prédio do antigo Arsenal de Guerra da Província, situada na esquina das ruas Bento Martins e Andradas, que foi construído em 1867, pelo Conde da Boa Vista, durante a Guerra do Paraguai, tendo sido o QG da 3ª Região Militar entre os anos de 1906 e 1907. Este prédio foi tomado pelos revolucionários em 1930. Atualmente, sedia o Museu Militar do Comando Militar do Sul. 


Prédio do atual Museu Militar na esquina das ruas Bento Martins (via à direita) e Andradas (via à esquerda) - Foto: Arquivo da 3ª Região Militar


RUA RIACHUELO


Quando nos mudamos, o prédio de nosso apartamento da Rua Riachuelo ainda não estava totalmente pronto. Os elevadores ainda não estavam funcionando, além de outros contratempos. Mesmo assim, minha mãe queria se mudar para lá... Lembro-me do nosso apartamento da Rua Riachuelo, nº 917, no 3º andar do Edifício Buriti, onde moramos por treze anos. O apartamento era 'de meio'. Da janela, víamos inúmeros edifícios das redondezas, emoldurados por uma ampla área de céu azul. Era assim naquela época... Depois que nos mudamos, construíram um edifício ao lado, uma pena para quem foi morar lá no nosso antigo lar... Ao lado deste nosso edifício, havia uma pensão no nº 933, cujos filhos da proprietária eram conhecidos de meu irmão. Deste tempo, tenho lembranças de olhar o céu à noite, cheio de estrelas e de admirar a Estrela Dalva, ou Vésper, que mais tarde soube que se tratava do planeta Vênus. Era lindíssimo vê-la a certa hora da madrugada, enorme, comparando-a com as ‘outras’ estrelas. Adormecíamos com a visão fantástica do céu noturno...


A atual fachada do nosso antigo prédio da Rua Riachuelo, 917, no Centro da cidade de Porto Alegre RS – Foto: Lisete Göller


O edifício da Rua Riachuelo, 933, onde funcionou uma pensão familiar entre 1960 e 1970, é um prédio histórico no estilo eclético do final do Século XIX, que foi restaurado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre em 1997 – Foto: Lisete Göller


A porta do hall de entrada do apartamento se abria para a sala situada à direita e, em frente, para a porta da cozinha, a qual não era muito grande. Havia a área de serviço, em que a mãe colocava o fogão e os armários das louças e panelas. Na sala ficavam o sofá, as poltronas, a televisão, a vitrola, a cristaleira e um vaso com uma dracena, planta que eu limpava folha por folha de vez em quando. Devo confessar que é a planta mais sem graça que deve existir... Neste canto, dedicado ao pobre espécime vegetal, que resistiu ser regado com suco de limão pelo meu irmão-cientista, armávamos a nossa árvore de Natal, quando era chegada a época. As nossas janelas eram antigas, do tipo guilhotina, aliás, coisa que considero potencialmente perigosa. Mas sobrevivemos a elas... A sala dava para um corredor que, pelo menos na minha memória, era bem comprido. Lembro-me que a mãe gostava de encerar o piso de parquet. Certo dia, brincando de correr dentro de casa, esta narradora escorregou e caiu sentada no chão. Fiquei com medo de ter quebrado a bacia... Este fatídico corredor dava para os dois únicos quartos e o banheiro.


A sala do nosso apartamento da Rua Riachuelo – 1957 – Foto: Arquivo Pessoal


O primeiro quarto, que ficava à esquerda do corredor, era meu e de meu irmão. Em frente às duas camas, ficava o guarda-roupa, que tinha portas acolchoadas no estilo capitonê, cujo tecido plastificado era da cor azul-clara, assim como a cabeceira das camas. Para completar, havia um criado-mudo entre os leitos. O meu irmão colecionava flâmulas, que ficavam dependuradas na parede do quarto, perto de sua cama. Coisas que faziam sentido naquele tempo. O quarto de meus pais, ao final do corredor, era mobiliado com móveis escuros, do jeito que hoje gosto de mobiliar. Houve uma época em que havia um dossel acima da cama de meus pais. Lembro-me que, numa tarde, eu estava deitada na cama junto com a minha mãe. Enquanto esta dormia, inventei de ficar balançando uma caneta esferográfica, como se fosse uma batuta de maestro. Quando me dei por conta, o tule do dossel estava todo salpicado com respingos de tinta. Mas fiquei bem quieta, como se eu nada tivesse a ver com aquilo. Isto me fez lembrar que, antes dos sete anos, eu só queria dormir junto à minha mãe. O pobre do meu pai ficou dormindo no outro quarto com meu irmão. Levei um bom tempo fazendo esta espécie de “reinação”...  À esquerda do corredor, ao lado de nosso quarto, ficava o banheiro, decorado com azulejos até a metade da parede. Tínhamos uma banheira de louça branca, algo habitual nos apartamentos antigos. Acima dela, havia o chuveiro. Junto à porta de entrada do banheiro, havia um nicho em que se poderia montar um armário embutido, mas a mãe o fechou com cortinas. Neste lugar, ficava uma imensidade de objetos e a máquina de costura Singer, a pedal, de minha mãe, sem que ela precisasse tirá-la dali para costurar... 


No quarto de meus pais – 1957 – Foto: Arquivo Pessoal


O corredor do nosso andar do edifício era claro e havia nele três apartamentos, servidos por dois elevadores. O prédio possuía uns doze ou treze andares. O pai foi síndico durante alguns anos, incomodando-se não poucas vezes, como não poderia deixar de ser. Mas fez uma boa administração, porque foi sempre uma pessoa muito honesta. Hoje, o edifício está com a entrada e as áreas principais modificadas. De certa forma, sinto saudades de lá. Será que a gente realmente se muda da casa de nossa infância?

Lembro-me de algumas de nossas vizinhas. Havia a Dona Ceci Cabral, que morava no apartamento abaixo do nosso. Era uma senhora solteira. Lembro-me que ia rezar o terço com ela, quando era pequena. A mãe mandava a mim, não sei por quê... Em certa ocasião, Dona Ceci levou-me para assistir ao casamento de um parente seu. Mas, como me senti mal, trouxe-me para casa, perdendo ela a cerimônia. Que papelão... Mudou-se, anos mais tarde, para a Rua General Câmara e, em 1987, veio a falecer. Apelidava o seu sobrinho de “Gatinho”. Lembro-me também, que ela tinha uma enorme pedra de quartzo embaixo do console do hall de entrada de seu apartamento. 

Outra vizinha, que foi muito amiga de minha mãe, se chamava Annita Jenisch, que depois foi morar num apartamento na Rua Riachuelo nº 948, do outro lado da rua. Lembro-me que ela tinha uma irmã apelidada de “Titá”. Depois que nos mudamos, durante muitos anos, ainda a encontrava pelas redondezas da nossa antiga rua. Eu sempre lhe mandava cartões de Natal, numa tentativa de fazer com que os nossos laços de vizinhas não se rompessem. Quando não mais recebi um cartão seu de Natal como resposta ao nosso, compreendi que ela poderia ter partido... Depois de algum tempo, soube que ela havia falecido no começo de 2016.

Havia uma vizinha ainda mais antiga, que morava no 1º andar, cujo apartamento possuía um pátio extenso, a Dona Rina Ceriana. Italiana, natural de Turim, era uma senhora viúva e que tivera dois filhos. Ela foi uma atriz famosa no passado, atuando no teatro e no cinema, mas também teve um programa de rádio de música italiana na Rádio Difusora, segundo li num exemplar da Revisa do Rádio dos Anos 1950. Rina Ceriana teve o mérito de fundar a Casa do Artista Rio-Grandense. Lembro-me que ela tinha um armário cheinho de perfumes, que me fascinavam. Uma vez, ganhei dela uma caixa de talco Madame Rochas, que guardei por muito tempo. Vivia sozinha, e creio que ela tenha falecido quando eu ainda era menina. Mas chegou um tempo em que a minha mãe queria se mudar da Riachuelo de qualquer maneira, mas isto é matéria para outro capítulo...


Cena do filme ‘Amor que Redime’, o primeiro longa-metragem feito no Rio Grande do Sul, que foi produzido em Porto Alegre no ano de 1928. Na foto, Rina Lara, nome adotado por Rina Ceriana. O filme recupera o passado da zona sul da cidade - Fonte: Cinemateca Brasileira

A Rua Riachuelo é uma das vias mais antigas da cidade de Porto Alegre. Atualmente inicia-se na Rua General Salustiano, terminando na Rua Dr. Flores, na altura da Praça Conde de Porto Alegre. Antigamente, no trecho entre a Rua da Ladeira (Rua Gen. Câmara) até a Praia do Arsenal, a via era conhecida como a Rua do Cotovelo, pelo aspecto peculiar de seu traçado, logo atrás do Teatro São Pedro. Neste trecho, na esquina com a Rua Clara (Rua João Manoel), existia uma pedreira, que atrapalhava a circulação das vias entre os anos de 1833 e 1844, quando foi finalmente demolida. Da Rua da Ladeira, até a Praça do Portão (Praça Conde de Porto Alegre), chamava-se Rua da Ponte, porque havia uma ponte, uma pinguela, na esquina onde hoje se encontra a Av. Borges de Medeiros, sendo este um trecho em que eram seguidos os alagamentos. A dupla denominação durou até o ano de 1843, quando prevaleceu o nome Rua da Ponte, situação esta que durou até 1865, quando o nome foi definitivamente mudado para Rua Riachuelo, em homenagem à vitória naval brasileira contra os paraguaios na histórica Batalha do Riachuelo.  

A Rua Riachuelo teve residências nobres, como as do Conde de Porto Alegre (Manuel Marques de Souza) e o Barão do Jacuí (Francisco Pedro Buarque de Abreu), além de prédios muito bonitos, que até hoje permaneceram, como o da Confeitaria Rocco e o prédio da Biblioteca Pública, onde existia o antigo prédio da Cia. Telefônica do ano de 1886. Endereços famosos: (nº 208) Cia. Telefônica Riograndense 1884; (nº 237) Luiz Terragno Estúdio 1861-1880; (nº 359) Gustavo Bier – Fabrica de molho Bahiano; (nº 373) Instituto Commercial de Luiz Kraemer Walter – Linguas franceza, ingleza e allemã e correspondencia nas tres linguas, ensino da lingua nacional aos estrangeiros.


O Solar de Manuel Marques de Souza, o Conde de Porto Alegre, na Rua Riachuelo esquina com a Rua General Canabarro


A Rua Riachuelo de antigamente, com seus casarios! Abaixo, a Rua Riachuelo (transversal ao fundo), esquina Rua General Salustiano (via em primeiro plano), onde a primeira começa na atualidade - Fotos: Internet


Da esquerda para a direita: (em cima) Rua Riachuelo, esquina Rua General Vasco Alves, via que sobe até a Rua Duque de Caxias; Rua Riachuelo, esquina Rua General Portinho (via que sobe à direita); (ao centro) Rua Riachuelo (via onde se encontra a Capela de São Rafael), esquina Rua General Canabarro (em primeiro plano); Rua Riachuelo (onde estão os militares), esquina Rua General Bento Martins (via transversal); (em baixo) Rua Riachuelo (via que se encontra na transversal ao fundo), esquina Rua General João Manoel (em primeiro plano); Rua Riachuelo (ao fundo, vê-se o Teatro São Pedro), esquina Rua Caldas Júnior (atrás do espectador) – Fotos: Internet


Da esquerda para a direita: (em cima) Rua Riachuelo, esquina Rua General Câmara (via que segue em direção à Rua dos Andradas ao fundo); Rua Riachuelo (via transversal ao centro), esquina Rua Vigário José Inácio (via que segue em direção à Rua dos Andradas ao fundo); (em baixo) Rua Riachuelo (a segunda transversal, pois a primeira é a Rua Jerônimo Coelho), esquina Av. Borges de Medeiros, com seu viaduto; Rua Riachuelo, esquina Rua Marechal Floriano Peixoto (via onde existia a antiga Capela de São José); Rua Riachuelo (ao fundo), esquina Rua Doutor Flores (vê-se à direita, ao final da Rua Riachuelo, a antiga Confeitaria Rocco) – Fotos: Internet



RUA DOS ANDRADAS


A nossa mudança para o Edifício Dona Aldina, na Rua dos Andradas, nº 731, ocorreu em 20/05/1969. O apartamento havia sido comprado em 20/03/1969, através do Sr. Maia, um corretor conhecido, que aceitou o nosso outro apartamento como parte do negócio.  Era uma novidade e tanto. Cada um teria o seu quarto. Eu tinha 13 anos de idade nesta época, e chegamos a residir lá por 26 anos. Morávamos no 2º andar, mas era como se fosse o 1º andar, possuindo o imóvel uma grande sacada, que se projetava para frente do edifício, com a visão do icônico Hotel Majestic, atual Casa de Cultura Mário Quintana, que foi morada do poeta Mário Quintana.


A fachada do nosso antigo edifício na Rua dos Andradas - Foto: Lisete Göller


Ao fundo o edifício Aldina, emoldurado pela Casa de Cultura Mário Quintana - Foto: Lisete Göller


A sala, o meu quarto e o do meu irmão, localizavam-se na parte da frente, enquanto que o quarto de meus pais ficava na dos fundos. Tínhamos um banheiro pequeno, com banheira, cuja janela dava para a área interna do apartamento. Havia ainda a cozinha, a dependência de empregada, o banheiro auxiliar e a área de serviço. O tamanho dele era o ideal para nós, e as peças possuíam um bom tamanho. Mais tarde, ampliamos o hall de entrada até a escada do edifício, onde foi colocada outra porta, mas esta em ferro decorado. As peças dos fundos não eram claras, mas as da parte da frente recebiam sol, já que estavam dispostas na posição norte. Na sacada havia plantas em grandes jardineiras, em frente à porta da sala. Isto me fez recordar das nossas azaléias de cor fúcsia, que ficavam carregadinhas de flores, durante o inverno e o início de primavera. O meu pai também foi síndico do Edifício Aldina em determinada época, mas não lembro qual.


A nossa pequena família na sala de estar – 22/08/1990 – Foto: Arquivo Pessoal

Na sacada do nosso antigo apartamento – Agosto/1984 – Foto Arquivo Pessoal

Das nossas vizinhas, lembro-me da Dona Vitória, que tinha uma filha bem loirinha, a Stella, da Dona Rosita, da Veleda... Lá moraram em determinada época a ‘Tita’ e a ‘Lica’ com quem fiz amizades, o ‘Totão’, ou José Alves Júnior, com quem namorei durante algum tempo... Os anos foram passando, o pai faleceu e a mãe já se preparava para as mudanças mais decisivas de sua vida. Nos últimos tempos, morar lá também se tornou um incômodo, porque na loja que havia embaixo do edifício, funcionava uma distribuidora de revistas. Os caminhões chegavam para descarregar o material de madrugada. Os donos de bancas chegavam às 5 horas da manhã e ficavam conversando na rua, como se estivem na sala de suas casas. Afora isto, a rua havia se tornado muita suja e desagradável. Nestes anos todos em que lá moramos, muita coisa aconteceu: incêndios, brigas, ações policiais, um suicídio de uma senhora do edifício do lado, coisas do quotidiano das grandes cidades. Dessas coisas não há como se ter saudades...

Lembro-me que, quando estávamos para nos mudar em 1995, ano em que vendemos o apartamento no mês de outubro para um colega de trabalho de meu irmão, fiquei olhando pela janela de meu quarto o nosso pedacinho de céu azul, aquele que os prédios da frente deixavam antever. Olhava para tudo o que havia em volta, sabedora que todo aquele cenário iria ficar para trás. Nunca mais eu voltaria a entrar em nosso apartamento. Pensava nas coisas que aconteceram durante aquelas décadas em que lá vivemos. Hoje, quando passo em frente ao edifício, sempre olho a nossa sacada, vislumbrando lembranças daqueles velhos bons tempos, esperando, quem sabe, que a mãe vá aparecer na sacada sorridente... Muitas vezes, quando ia escrever o meu endereço, me vinha à mente o endereço da Andradas, como se de lá não houvesse me mudado...

Para terminar esta narrativa, quero tentar explicar a minha busca por um lugar ideal para morar. Quando era criança, imaginava que a minha casinha ficava dentro do guarda-roupa, só faltando providenciar a janela, que seria aberta num dos lados. Lá dentro, eu pensava colocar pequenos móveis, mas somente o essencial. Quando estava na rua, quando via essas casas que têm um porão, com uma portinha e uma janelinha, imaginava como seria se este porão fosse a minha casa. Como conseguiria os móveis? Procurando-os entre aqueles trastes, que as pessoas deixam na calçada, os quais eu iria consertar e pintar. Era um exercício de imaginação e treinamento de sobrevivência. Esse ideal, na verdade, sempre me acompanhou durante a toda a infância, e desejei, de certa forma, transportá-lo para a vida adulta.


Obras da parte leste do futuro Hotel Majestic, onde se vê ao fundo o prédio que existia antes da construção daquele que seria nossa residência, com 3 andares e uma cúpula imponente – Fonte: Internet – circa 1926


No térreo, vê-se a parte leste do Hotel, no segundo piso, ainda em construção, e, ao fundo, uma visão mais claro do prédio que viria a ser substituído pelo Ed. Dona Aldina, com um comércio anunciado, através de uma placa no lado direito – Fonte: Internet – circa 1926


Anúncio do Hotel Majestic, que seria finalizado somente em 1933 – Fonte: Internet



Um pouco de história desta minha rua. A Rua dos Andradas, também chamada de Rua da Praia, é uma das mais antigas da cidade de Porto Alegre. Esta começava na ponta do Gasômetro, que na época correspondia à área onde ficavam os Armazéns Reais e o Arsenal da Marinha, até a atual Rua General Câmara (Rua do Ouvidor). Neste local havia um intenso comércio, que veio a emprestar-lhe o nome de Largo da Quitanda. Das atuais ruas General Câmara até Senhor dos Passos (antiga Rua do Couto), era chamada de Rua da Graça, até o ano de 1843. O nome definitivo de Rua dos Andradas foi dado somente em 1865, quando a Câmara Municipal deu-lhe este nome nas comemorações da Independência do Brasil. Foi nesta época que o calçamento, que havia sido feito por volta de 1799, foi substituído no formato de pista abaulada, com sarjetas junto aos passeios. A partir de 1885, surgiram os paralelepípedos e, no ano de 1923, surgiu o calçamento de granito em mosaico em duas cores. A Rua da Praia foi e ainda é o coração da cidade de Porto Alegre, com seu tradicional comércio, recantos de lazer, prédios históricos e também figura como ponto de encontro das grandes manifestações que ocorreram ao longo da história porto-alegrense e do país. Destacam-se nesta rua a Igreja das Dores, a Casa de Cultura Mário Quintana, os quartéis do Exército e da Brigada Militar, a Praça da Alfândega e a Praça Brigadeiro Sampaio, entre outros prédios e locais públicos.


A Praça da Alfândega ou Praça Senador Florêncio surgiu com o núcleo inicial da cidade no final do Século XVIII


A Igreja das Dores é mais antiga da cidade de Porto Alegre


Da esquerda para a direita: (acima) Rua dos Andradas (ao fundo), esquina Rua Senhor dos Passos; Rua dos Andradas, esquina Rua Dr. Flores (subida); (ao centro) Rua dos Andradas, esquina Rua Vigário José Inácio (com a antiga Igreja do Rosário); Rua dos Andradas, esquina Rua Marechal Floriano Peixoto (subida à direita); (abaixo) Rua dos Andradas (ao fundo), esquina Av. Borges de Medeiros; Rua dos Andradas (primeiro plano), esquina Rua General Câmara – Fotos: Internet – diversas épocas


Da esquerda para a direita: (acima) Rua dos Andradas, esquina Rua Caldas Júnior (subida); Rua dos Andradas, esquina Rua General João Manoel (subida); (ao centro) Rua dos Andradas (com a fachada do atual Museu do Comando Militar do Sul), esquina Rua General Bento Martins; Rua dos Andradas, esquina Rua General Canabarro (na esquina está o Quartel-General Integrado do Comando Militar do Sul); (abaixo) Rua dos Andradas (primeiro plano), na quadra entre as ruas General Portinho e Rua General Vasco Alves (ao fundo, à esquerda, vê-se o prédio da atual Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles, antigo Colégio Elementar Fernando Gomes, concluído em 1922); Rua dos Andradas (esq.), esquina Rua General Salustiano (dir.) – Fotos: Internet – diversas épocas



AV. PROTÁSIO ALVES


Um lugar em que quase morei. Em 20/11/1986, numa atitude arrojada para as minhas condições financeiras, comprei o meu primeiro apartamento financiado. Situava-se na Av. Protásio Alves, n.º 6.659, no 4º andar, no Edifício Mirante de Petrópolis, o qual possuía um box de estacionamento. Quando vinha da UFRGS de ônibus, passava por lá e olhava sempre para o pequeno edifício, sabedora de antemão, por anúncios no jornal, que nele havia apartamentos à venda. Encantei-me com o lugar, embora fosse longe do centro. Estava com 30 anos de idade. Tinha uma bela vista da sacada, embora fosse de fundos. Depois mandei fechá-la com janelas de vidro. Havia um só quarto, mas era uma gracinha. Cheguei a fazer uma divisória nele, com porta de correr, de modo que, à entrada deste, pudesse colocar uma escrivaninha. Mandei fazer também uma parede de gesso com uma janela de vitral para separar o hall de entrada da sala de estar. Mais coisas eu não consegui fazer, porque estava sempre apertada de dinheiro. A questão é que não seria muito útil para mim naquela época, porque a filha precisaria de um quarto para si, mas mesmo assim fui levando o sonho adiante. Achei que um dia ela cresceria, tornando-se adulta, e eu teria o meu canto.


O Mirante de Petrópolis, numa visão mais atual em tons de amarelo; antigamente destacava-se a cor laranja em sua pintura - Fonte: Google Streets


Passei por alguns sufocos. O contrato previa reajuste das prestações pelo antigo BTN, se não me falha a memória. Estava abalada com os reajustes e tinha medo de não conseguir pagá-lo. Mas, providencialmente, falando com a mulher do síndico sobre coisas do condomínio, comentei-lhe sobre a minha preocupação. Então, fiquei sabendo que o pessoal de lá, através de um advogado, faria um acordo com o banco, na época o Sulbrasileiro S.A., porque o índice de reajuste não era permitido por lei. Assim, as coisas entraram nos eixos. Depois que viemos morar na Demétrio Ribeiro, com as intermináveis obras que exigiam cada vez mais recursos, tentei pô-lo à venda. Foi difícil, até que um dia, um amigo do filho de uma conhecida nossa, que era corretora, quis fazer o negócio. Fizemos o contrato em 11/11/1996. Estava, na época, com 40 anos. Porém, descobri que ele atrasara três prestações, pondo em risco o meu crédito. Pelo contrato, eu teria direito de retomá-lo, mas por consideração à tal corretora, que acabou comprando-o de volta do dito amigo, não o fiz. Transferi-o novamente para seu marido, em 24/08/1997. Foi uma grande besteira, da qual muito me arrependo. O que eu ganhei na venda não chegou nem perto daquilo que havia desembolsado. Coisas da vida... Tinha uma ligação sentimental com aquele lugar. Custei a adquirir a compreensão real dos fatos. Hoje, já não sinto tristeza. No fim da história, a corretora o vendeu para outra pessoa, que o quitou junto ao banco que passou a ser o Meridional S.A. As lembranças que guardo deste imóvel são ternas, como, por exemplo, as poucas vezes em que a mãe e a minha filha foram lá, ou quando fomos de carro almoçar no restaurante do SESC, ali perto, que proporcionava uma bela vista da região. Tempos esses que deixaram saudades, pois sei que não voltarão jamais...


Trecho da Av. Protásio Alves – 1995 – Foto: Site prati.com.br

O que falar do passado da Av. Protásio Alves? Esta via era um dos principais caminhos que ligavam o centro de Porto Alegre às chamadas freguesias da região rural. Por isso, recebeu nomes como Caminho de Viamão, Estrada das Capelas e Caminho do Meio, sendo este o nome prevalente. Após a Revolução Farroupilha, uma série de obras e melhorias foi feita ao longo de décadas. Depois da República, passou a se chamar Estrada do Capitão Montanha, em homenagem ao famoso urbanista e engenheiro. No século XX a urbanização foi cada vez mais sendo ampliada, sendo que neste período ocorreu a troca de nome para a atual Protásio Alves, um médico e político atuante na capital gaúcha. Atualmente é uma das principais avenidas da cidade, com cerca de 13 km de extensão, iniciando-se pelo Bairro Bom Fim e terminando nos limites dos municípios de Viamão e Alvorada.



Um comentário:

  1. Screen Time is a feature that can control and set a limit on the time a device is being used by your child, on an iPhone and iPad.
    Communication Limits on iPhone and iPad

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