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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Família Schmitz (Philipp) - A Viagem de Navio


Texto baseado nos artigos do genealogista alemão Friedrich Hüttenberger, além da correspondência pessoal com o mesmo. Ele é pesquisador do engano histórico envolvendo os navios Cäcilia, que nunca existiu, e o Helena e Maria, que sofreu um quase-naufrágio próximo ao porto inglês de Falmouth. Ler neste blog a publicação no marcador: A Lenda do Navio Cecília (Cäcilia) ou no link: https://memorialdotempo.blogspot.com.br/search/label/A%20Lenda%20do%20Navio%20Cec%C3%ADlia%20%28C%C3%A4cilia%29


Vista do Rio Mosel e Klüsserath – Foto: Derzno - Wikipédia

Os nossos imigrantes, Philipp Schmitz (o Pequeno), a esposa Anna Maria Susanna Rohr e a filha Maria Anna Schmitz, começaram os preparativos para a saída de sua pátria nos últimos meses do ano de 1827. Quais foram os motivos pelos quais estavam deixando para trás os seus bens, parentes e amigos? No Século XIX, as causas para a emigração de muitas famílias foram a fome e a pobreza, que assolava a região de Eifel-Mosel-Hunsrück na Alemanha. A América do Sul e do Norte eram os destinos mais procurados. Dentre os registros da Igreja de Ensch, encontramos uma nota revelando que um grupo formado por emigrantes desta cidade e de Klüsserath havia partido de suas cidades em 11/11/1827. Provavelmente, a família Schmitz tenha ido de Klüsserath até Bingen, como fez a maior parte dos emigrantes do Palatinado e do Hunsrück e, de lá, seguiram para a cidade de Amsterdã.


Bingen – Artista Stanfield C., Ed. Longman & Co. - Fonte: Heath's Annual 1833 - Travelling Sketches on the Rhine and in Belgium and Holland


View of Amsterdam toward the Zuyder Dee - Artista Craig – Ed. Nutall, Fisher & Dixon, Liverpool - 1814

Os Schmitz, assim como os demais emigrantes que pretendiam vir para o Brasil, contrataram a viagem com o Comandante Bartolomeus Karstens, pagando-lhe previamente uma vultosa quantia. Este capitão possuía um velho veleiro, um hoeker holandês, chamado "Helena en Maria" (no português, Helena e Maria ou Helena Maria, como ficou conhecido entre nós). Mas, como este serviria de navio de emigração, mandou instalar diversos beliches para poder acomodar os passageiros. Em função de seu tamanho, contendo três mastros, o navio não poderia zarpar direto de Amsterdã e, por isso, ele sairia do porto de Texel, uma das Ilhas Frísias, situada ao norte de Amsterdã.


Texel – Artista Stanfield C. - The Scheldt, Texel Island, from the Picture in the Vernon Gallery

O veleiro “Helena e Maria” foi construído anteriormente ao mês de novembro de 1813, como navio de carga, em Maassluis, na província da Holanda do Sul, com casco de madeira, dois mastros e um deque, possuindo 28,10 m de comprimento, 7,14 m de largura, 3,80 m de profundidade e 113 toneladas. Seu nome inicialmente era “Maassluis Welvaren”. 


Imagem de um antigo Hoeker, veleiro que era utilizado normalmente para a pesca no Mar do Norte – Fonte: http://ijsselvallei.info/

O veleiro de dois mastros chamado “hoeker’ na Holanda era popularmente utilizado como barco de pesca no Mar do Norte. Este tipo de embarcação existia desde o século XIII, evoluindo depois como navio de transporte e mercante, com dois ou três mastros, sendo utilizado até o final do Século XIX. O nome “hoeker” deriva da palavra promontório.

Seguindo o histórico do veleiro dos nossos imirantes, em 20/05/1814, o mesmo foi registrado com o nome “Welbedagt” ou “Welbedacht”, tendo como gerente Lambregt Schelvisvangst, de Maassluis, e consta a propriedade como ‘Partenrederij onder boekhouderschap van genoemde manage’, da mesma cidade. Na época, o capitão chamava-se Gerrit Scheepen.

Conforme a sua escritura de venda, em 04/07/1823, o navio sofreu mudanças na configuração, tendo-lhe sido acrescentado mais um mastro, isto é, ficou com três mastros, mais um deque, passando a se chamar “Thalia”, sendo gerente, proprietário e capitão, Coenraad Brandligt, de Amsterdã.

Na data de 03/09/1825, consta como gerente e proprietário a Firma Voûte & Co, de Amsterdã. No ano de 1826 teve como capitães: A. Bakker e J. H. D. Schröder.

Em 12/12/1827, em nova escritura de venda, já com o nome “Helena en Maria”, o navio contava com as medidas de 26,50 m de comprimento, 5,41 m de largura e 3,37 m de profundidade. Os proprietários do navio eram o capitão Bartolomeus Karstens, a Empresa Gieseke & Co. e Hendrik Fredrik Gieseke, comerciante, todos de Amsterdã. Seguiu-se a viagem narrada e, após ter sido avariado na tempestade, em 07/10/1828, o navio foi vendido em Falmouth (Fonte: http://www.marhisdata.nl/)

Segundo a carta do imigrante Johannes Weber, de Neunkirchen, Bosenbach, no Palatinado, que se encontrava guardada e esquecida nos USA, conforme Hüttenberger, seriam mais ou menos 40 famílias do Rio Mosel, que já estavam instaladas no “Helena e Maria”, além de famílias do Hunsrück, como Johannes Spindler, conhecido pela carta que escreveu em 1828, isto é, famílias que provinham de regiões do lado esquerdo do Reno, predominantemente católicas, que estariam a bordo, antes que outras famílias da região de Kusel, distrito da Alemanha, no oeste do Palatinado, de religião protestante, chegassem ao navio.

Como o número de passageiros e de bagagens excedia à capacidade do navio, ocorreu um sério conflito, que resultou na ordem do comandante de zarpar mesmo que todos passageiros não tivessem embarcado, permanecendo certo número de emigrantes em terra, com ou sem suas bagagens e, pior ainda, mesmo que estes tenham ficado separados dos demais membros de suas famílias, que já estavam no navio, sem que pudessem impedir a partida do veleiro “Helena e Maria”. Os que ficaram para trás conseguiram embarcar posteriormente no bergantim holandês Alexander para o Rio de Janeiro, sendo depois levados à cidade de Santos pelo navio Rocha e, mais tarde, seguiram para a colônia de Santo Amaro em São Paulo. 

Depois desta situação inusitada, os passageiros embarcados partiram no navio “Helena e Maria”, na data de 06/01/1828, do porto de Texel, e não no suposto navio chamado Cecília ou Cäcilia. Depois de quase uma semana de navegação, no dia 12/01/1828, o navio foi atingido por uma violenta tempestade ou furacão no Canal da Mancha, perdendo os três mastros, cujas partes superiores se partiram e caíram. Na tradição oral, o marceneiro Philipp Schmitz (o Grande), com ajuda dos imigrantes, teria tido a idéia de cortar os mastros, como tentativa de estabilizar o navio. O incidente aconteceu na Ponta de Lizzard ou Manacle Rock, perto da cidade portuária de Falmouth, onde o Canal da Mancha se encontra com o Oceano Atlântico.


Notícia sobre a partida do “Helena e Maria” do porto de Texel em 06/01/1828 - Fonte: Site da Família Kich, com dados fornecidos por Friedrich Hüttenberger

Cessada a tempestade, o “Helena e Maria” ficou à deriva por 3 dias, pois a chegada ao porto de Falmouth aconteceu em 15/01/1828, segundo consta no registro no Lloyd’s List. Providencialmente, o “Helena e Maria” foi socorrido pelo navio Plover Packet, comandado pelo Capitão Edward Jennings. Este navio foi lançado no ano de 1821, e foi nomeado em 06/12/1823 pelo Almirantado inglês para atuar em viagens regulares entre o Reino Unido e a América do Sul, além das Índias Ocidentais. Não houve abandono do navio “Helena e Maria” por parte da tripulação, nem do Capitão Bartholomeus  Karstens, os quais acompanharam os passageiros até Falmouth. Este capitão mandou reparar o navio para que os passageiros seguissem viagem, mas estes não aceitaram, por considerarem a embarcação pouco segura, já que o próprio Estado Maior da Marinha Inglesa o considerou não-navegável.


Antigo porto de Falmouth, na Cornualha, Inglaterra – Fonte: Pinterest


Agradecimento do Capitão Bartholomeus Karstens pela ajuda recebida no resgate do “Helena e Maria” – Fonte: Site da Família Kich, com dados fornecidos por Friedrich Hüttenberger


No período em que os emigrantes foram acolhidos em Falmouth, durante o ano de 1828, houve muitos registros de nascimentos e óbitos, que foram registrados nos livros da Igreja de Falmouth, ou seja, os primeiros Alemães em Falmouth apareceram em janeiro de 1828. Este fato é provado pelos artigos de jornais da Inglaterra sobre o naufrágio,  pelos registros da Igreja de Falmouth, onde, por exemplo, todos os sepultamentos de crianças alemãs estão registrados, sendo que o sepultamento de Jakob Drumm, em 26 de novembro 1828, foi o último registro de um alemão em Falmouth, além de registros de batismos e casamentos. Assim sendo, os emigrantes ficaram nesta cidade por quase onze meses, ou seja, de 15/01/1828 a 10/12/1828.

Quanto à data de nascimento do segundo filho de Philipp Schmitz, Peter Schmitz, que teria nascido fora da Alemanha, podemos supor primeiramente que ele pode ter nascido ao final do ano de 1827, enquanto a família estava em trânsito entre Klüsserath e Amsterdã, ou até mesmo em Texel. O ano de 1827 é o que consta como ano de nascimento em sua lápide em Bom Princípio RS (in Cemitério das Colônias Alemãs no RS, de Dullius e Petry). É também possível que o nascimento tenha ocorrido em 1828, mas durante o mês de dezembro, quando a família ainda estava em Falmouth. Como os Schmitz estavam em vias de viajar para o Brasil, talvez fosse tarde demais para registrá-lo na Igreja, pois não há nenhum registro de seu batismo na Igreja de Falmouth. Outra possibilidade é que a família Schmitz já estivesse no navio James Laing, quando ocorreu o seu nascimento. Mas ele também pode ter nascido na cidade do Rio de janeiro. Assim sendo, a data do natalício de Peter Schmitz permanece até hoje para nós um mistério. 

O "Helena e Maria" foi reparado, mas não foi mais considerado navegável. Então, os emigrantes passaram a buscar outro meio de transporte. Somente após muitos pedidos, o Governo Inglês pôs um navio à disposição destes (e não D. Amália von Leuchtenberg, como Amstad e Hunsche escreveram), mas foram advertidos que a roupa, pois estava chegando o inverno, além dos mantimentos, ficariam por sua própria conta. Esta ajuda foi dada, em parte, pela comunidade inglesa e, ao final de 1828, o navio "James Laing" foi colocado à disposição no Porto de Falmouth. Em 10/12/1828, quase um ano depois do início da viagem na Holanda, o navio zarpou deste porto com os imigrantes e, dois meses depois, sem qualquer acontecimento, chegaram ao Rio de Janeiro. A última coisa que os emigrantes fizeram antes de partir foi uma missa na capela católica de Falmouth, em 10/12/1828, para agradecer aos Ingleses pela ajuda e ao governo inglês pelo navio (conforme artigo em Devizes & Wiltshire gazette de 18/12/1828). 


Veleiro (imagem com finalidade meramente ilustrativa) – Fonte: Internet

O "Diário do Rio de Janeiro", de 10/02/1829, publicou a chegada do James Laing em 08/02/1829, após 61 dias, que era o tempo normal para a travessia do Atlântico naquela época, com 305 colonos. Revela que a empresa responsável era A. Miller & Comp. (em nota de rodapé). 



Notícia no Diário do Rio de Janeiro sobre a chegada do James Laing - Fote: Hemeroteca da Biblioteca Nacional do RJ



Notícia no “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro, sobre a chegada do James Laing - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional do RJ

A maior parte dos Hunsrükianos, Moselanos e Palatinos foi registrada em 18/03/1829 no Rio de Janeiro. Estes foram embarcados em 10/04/1829 no veleiro costeiro "Florinda" e, após, encaminhados para Porto Alegre no Rio Grande do Sul, finalizando nesta cidade a grande odisséia na data de 14/05/1829. Os imigrantes que possuíam parentes que chegaram ao Brasil no navio “Alexander”, puderam finalmente ir ao seu encontro, com exceções de alguns poucos que não os viram mais.


Brigue-Escuna semelhante ao Florinda – Autor: desconhecido - Fonte: Internet

O relato de os alemães imigrantes terem proposto festejar a data do salvamento anualmente, pode ou não ser verdade. O certo é que o imigrante responsável pela sugestão, de sobrenome Altmayer, nunca existiu, pois imigrantes com este sobrenome já teriam chegado a Porto Alegre em 16/12/1827. A data da Festa de São Miguel, realizada a 29 de setembro, dia do onomástico deste santo, não encontra qualquer relação com a chegada dos imigrantes ao RS, que ocorreu no mês de maio de 1829. Entretanto, as orações pedindo a Deus por suas vidas são incontestáveis, em que pese os episódios pelos quais passaram, conforme observação de Friedrich Hüttenberger.



3 comentários:

  1. Prezada Sra. Lizete Göller,
    Parabéns pela excelente pesquisa histórica repleta de dados e de ilustrações. Valorizo muito as imagens, sem o que a história, por mais que bem elaborada, é difícil de ser visualizada ou até mesmo valorizada! Sua pesquisa é bastante esclarecedora e tem vários pontos coincidentes com a minha em torno do comerciante e cônsul holandês Carel Joachim Wylep, mais conhecido como Carlos no Império do Brasil e como Charles no meio diplomático. Alguns dos pontos em comum são as datas e alguns locais envolvendo as travessias transatlânticas da família Wylep: de Amsterdam, partindo do porto de Texel, para Recife em 1825; de Recife para Falmouth, depois Amsterdam, em 1832; de Amsterdam, partindo do porto de Texel, para o Rio de Janeiro em 1833; e, por último, de um filho de Wylep, partindo do Rio de Janeiro para Amsterdam, via Falmouth, em 1844. Esse garoto morreu aos 17 anos no Hotel Selley, em Falmouth. A causa mortis ainda não me é conhecida, foi quando me deparei com sua pesquisa, pela palavra-chave “porto de Falmouth” em pesquisa na internet.
    Nota: Carel Wylep foi cônsul do Reino Unido dos Países Baixos em Recife (1825-1832) e cônsul-geral da Holanda no Rio de Janeiro (1833-1857) sucedendo ao cônsul-geral Gerardus Brender-à-Brandis no Rio de Janeiro (ca. 1825 – 1833). Então, é bem possível que esses cônsules tenham tomado conhecimento dos fatos relatados!
    Pedro Pradez, de Rio de Janeiro, pedro.pradez@gmail.com

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    1. Olá, Pedro! Que dados interessantes trazes. Certamente, os cônsules tiveram conhecimento na época dos fatos narrados na postagem. Como a viagem não era oficial, a diplomacia dos Países Baixos pouco ou nada poderia fazer. A meu ver, os emigrantes deveriam seguir os trâmites de emigração existentes na Prússia, certamente muito burocráticos e caros, não tendo que passar por todas as dificuldades pelas quais passaram ao contratar um navio particular sem condições para efetuar a navegação entre os dois continentes. Abraço.

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  2. Prezada Sra Lizete.
    Que maravilha de artigo! Parabéns. Há anos venho procurando informações mais fidedignas sobre meus antepassados. Sou a 7ª geração de JOSEPH SCHONS, que, segundo os fragmentos de informações que consegui até o momento, chegaram em São Leopoldo no mesmo dia de sua narrativa -14/05/1829. Também consta que teriam sido passageiros do brigue-escuna Florinda. Procurei-os, sem sucesso, na lista de passageiros registrados na Embaixada do Rio e de Porto Alegre. Eram eles JOSEPH SCHONS e seu filho PETER SCHONS. A Senhora teria alguma sugestão de pesquisa pra mim? Sérgio Luís Schons, WhatsApp 051 981 289 236, sergio.schons@gmail.com.

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