Autora: Lisete Göller
IV-A Sociedade de Beneficência 24 de Junho
No último relato foi dito que a viúva de João Rodolfo Miguel Luchsinger e seus filhos maiores haviam feito a venda de suas partes no sobrado. Tal fato ocorreu na data de 10/02/1912. Guilhermina Eichenberg Luchsinger e os filhos maiores, Luiza Luchsinger Bulcão e o esposo João de Araujo de Aragão Bulcão, Georgina Luchsiner Bulcão e o esposo Manoel de Araujo de Aragão Bulcão, todos representados por procuração, visto residirem em Lavras do Sul RS, Henrique Luchsinger e Oscar Luchsinger, também representados por procuração, compareceram ao 1º Cartório de Rio Pardo para efetivar a escritura pública como vendedores de suas partes no sobrado à compradora Sociedade de Beneficência 24 de Junho, representada pelo seu Presidente, Guilherme de Paolo Barroso, o Secretário Aryllo da Cunha Mesquita, o Tesoureiro Eurico de Quadros Ferreira e o Fiscal-Geral Florduardo Octavio da Silva. O valor da venda foi de 3 contos, 573 mil e 245 réis. Na descrição do imóvel constou: “tendo na Rua General Câmara um portão e, deste portão, em linha reta, até o muro da Enfermaria Militar, e sendo o terreno do lado da Rua Dr. Julio de Castilhos, que houveram seus constituintes no inventário de... Rodolfo Luchsinger” (Arquivo Público do RS, Rio Pardo, Livro de Transmissões, 1º Tabelionato, fls. 118 a 120 - 1911-1912).
Conforme descrito na escritura, a Enfermaria Militar situava-se ao lado do terreno do sobrado, sendo compreensível o fato de a Farmácia Militar haver sido instalada no mesmo, por meio de um aluguel mensal pago a João Rodolfo Miguel Luchsinger. A enfermaria tinha o objetivo de atender os militares lotados na região. No Relatório de 19/09/1885, o Presidente da Província refere que a Comissão de Engenharia Militar havia feito obras em anos anteriores para garantir a segurança do edifício da Enfermaria Militar de Rio Pardo, além de pô-lo em boas condições higiênicas (Relatório das Províncias Brasileiras: Império 1830 a 1889). Não se sabe quando a enfermaria foi demolida, mas seguramente, no ano de 1920, ela não mais existia neste local.
Vista do sobrado por imagem de satélite - Fonte: Google Maps |
No próximo ato, a Sociedade de Beneficência 24 de Junho, na pessoa de seu Presidente, Guilherme de Paolo Barroso, arrematou em hasta pública os bens das menores Ivetta Luchsinger e Zilda Luchsinger, passando a ser a proprietária destas frações do sobrado e, consequentemente, da totalidade do imóvel. Esta Sociedade foi fundada no ano de 1880, na cidade de Rio Pardo, tendo como patrono São João Batista, cuja imagem foi colocada na sede da entidade. A Sociedade tinha como finalidade socorrer os associados enfermos e arcar com as despesas no caso de morte do associado, o que foi feito por muitos anos, através de serviços de apoio médico e farmacêutico, todos feitos de forma gratuita.
Guilherme de Paolo Barroso ou Guilherme de Pablo Barroso, nascido em Bilbao, Espanha, chegou à cidade de Rio Pardo no ano de 1896, com 17 anos de idade. Casou-se com Carlinda Amorim Barroso, professora, com quem teve filhos gêmeos, um deles falecido muito pequeno, e Antonio Miguel Barroso. Acadêmico, Historiador e Jornalista, Guilherme foi correspondente do Jornal Correio do Povo de Porto Alegre e exerceu o cargo de 2º Notário interino de Rio Pardo, tendo deixado a Sociedade de Beneficência 24 de Outubro, antes da realização da venda do sobrado para o próximo proprietário, cuja escritura foi realizada por ele mesmo no 2º Cartório de Rio Pardo. Neste ato, a Sociedade foi representada pelo seu Presidente da época, Plínio Pinto de Almeida Castro.
O jornalista foi nomeado Secretário da Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos e Caridade no ano de 1924 (Jornal A Federação, 29/05/1924). As irmandades eram associações de leigos católicos que cultuavam um padroeiro, tendo por objetivo a ajuda mútua e a realização de obras de caridade. A Irmandade dos Passos, a única existente na atualidade, teve o seu início no ano de 1805. Ela foi responsável pela construção da Igreja dos Passos, o extinto cemitério junto a mesma e o hospital, que foi transformado posteriormente na Escola Militar e, atualmente, é a sede da Casa de Cultura de Rio Pardo.
Guilherme e um grupo de alunos - Fonte: Revista do Globo, 11/05/1946 |
A casa que pertenceu à Família Barroso em Rio Pardo |
Guilherme Barroso em frente à casa na Rua da Ladeira em Rio Pardo – Década de 1950 |
Guilherme foi o idealizador de uma exposição de objetos usados na Revolução Farroupilha, durante o centenário do evento histórico, no ano de 1935, juntamente com o pesquisador Biágio Soares Tarantino, que, com suas coleções particulares, fundou o primeiro Museu de Rio Pardo, nas dependências da antiga Prefeitura no ano de 1938. O Museu Municipal Barão de Santo Ângelo surgiu a partir desta exposição. Conforme pesquisa realizada, o monumento da Cruz da Batalha do Barro Vermelho de Rio Pardo foi inaugurado por iniciativa do jornalista Guilherme de Paulo Barroso, ao ser completado o centenário do feito, em homenagem aos heróis e mártires que ali morreram. Neste o local, no dia 30 de abril de 1838, houve o mais sangrento combate da Revolução Farroupilha, quando foram atacadas de surpresa as forças imperiais. O monumento localiza-se na Praça 30 de Abril (Fonte: Secretaria Municipal de Turismo e Cultura).
Ao fundo a Cruz da Batalha do Barro Vermelho - Rio Pardo RS - Fonte: Site Jornal de Rio Pardo |
Quando a Sociedade deixou de existir, possivelmente no ano de 1930, foi construída a Capela de São João Batista, para onde foi levada a imagem do santo, que estava na sala dos fundos do Açougue Encarnado, sendo esta resgatada por antigos sócios da Sociedade, estes liderados por Alcides Eustáchio da Silva, que a levou para a casa, colocou-a num altar, até que a Capela ficasse pronta. Este antigo açougue, que funcionou até a década de 1940, localiza-se na Rua Almirante Alexandrino com a Rua Arthur Falchenbach, tendo este nome, porque era decorado na fachada com azulejos artesanais portugueses, produzidos na cor vermelha. A partir daí, a comunidade constituiu uma comissão, realizando festejos para arrecadar fundos, de modo a zelar pela continuidade e conservação do templo, que se situa no Bairro de São João na cidade de Rio Pardo (Fonte: Jornal de Rio Pardo, Edições 04/06/2012 e 03/10/2014).
V-José Borges Sobrinho
No dia 07/08/1920 (*), compareceram ao 2º Cartório para realizar a escritura de compra e venda do sobrado com o respectivo terreno, de um lado, a vendedora Sociedade Beneficente 24 de Junho, representada pelo seu Vice-Presidente em exercício, Plínio Pinto de Almeida Castro, Antonio Candido Fanfa, o 1º Secretário, Eduardo de Araújo Borba, o 2º Secretário, João Luiz Faller, Tesoureiro e José Maria Garcia Filho, Fiscal Geral e, de outro, o comprador José Borges Sobrinho, brasileiro, viúvo, industrialista e residente em Rio Pardo. O sobrado foi vendido pela quantia de 7 contos de réis. Realizou a escritura o 2º Notário interino, Guilherme de Paolo Barroso.
Na descrição do imóvel constou: “... uma casa (sobrado), com terreno, situada nesta cidade, à Rua Julio de Castilhos, número três, esquina da Rua General Câmara, tendo na Rua General Câmara um portão, e em linha reta, um terreno que vai até o muro da Enfermaria Militar, atualmente demolida, terreno que abrange até a frente da Rua Julio de Castilhos, indo ali também, em linha reta, até o muro da referida Enfermaria; casa esta construída de tijolos, forrada, assoalhada, coberta de telhas, com cinco janelas que dão para a Rua Julio de Castilhos, duas para a Rua General Câmara, sete para os fundos e cinco para o norte, adquirida pelos outorgantes vendedores dos herdeiros de Rodolpho Luchsinger, conforme escritura lavrada na primeira notaria desta cidade, Dona Ricarda do Canto Schwarz, em dez de fevereiro de mil novecentos e doze, e Carta de Arrematação de licença impetrada pelas menores Ivetta e Zilda Luchsinger...”.
É a primeira vez em que um documento oficial menciona o número de janelas do sobrado na sua configuração original, dado que as aberturas das fachadas sofreram alterações com o tempo, como será analisado posteriormente.
(*) A data de 07/08/1920 é a que consta no livro original do Cartório, que foi pesquisado no Arquivo Público do RS, enquanto que na certidão atual fornecida pelo Cartório consta 09/08/1920.
José Borges Sobrinho possuía uma companhia de navegação chamada “Sem Rival”. Na edição de 06/05/1927, do Jornal A Federação, encontrou-se a seguinte nota (no português atual): “Foi hoje festivamente inaugurada a gasolina “Sucury”, pertencente à navegação “Sem Rival”, de propriedade do Sr. José Borges Sobrinho. Essa nova embarcação, que se destina à linha mantida pela mesma companhia entre esta capital e Rio Pardo, foi construída no estaleiro do Sr. Luiz Weber, de São Leopoldo, apresenta belo aspecto e tem 30 metros de comprimento, por 5 de largura e 2,30 de pontal, acionada por motor Hauser de 50 H. P., com acomodação para 15 passageiros, podendo desenvolver a velocidade média de 9 milhas, deslocando 100 toneladas. Dentro de breves dias, a “Sucury” iniciará as suas viagens regulares, partindo desta capital, do trapiche da Serraria Garibaldi, aos sábados, voltando de Rio Pardo às quartas-feiras.” Nota: este tipo de embarcação chamada de “gasolina” era muito utilizada na época, em substituição às embarcações que eram movidas à vapor, transportando passageiros e mercadorias.
As embarcações à gasolina substituíram às movidas a vapor - 1935 - Fonte: Histórias do Vale do Caí |
José Borges Sobrinho construiu no ano de 1931 a chamada Casa Borges, imóvel que veio a fazer parte do Patrimônio Cultural do Estado. Esta casa térrea foi construída na área onde no passado foi edificado o Forte Jesus-Maria-José, nascedouro da cidade de Rio Pardo. Situa-se na Rua Coronel Franco Ferreira. Toda a família de José Borges, que teve quatorze filhos, estava envolvida com a extração de calcário, importante matéria-prima que alavancava a economia de Rio Pardo, desde a extração da pedra calcária nas minas do distrito de Capivarita (atualmente pertence ao município de Pantano Grande) até o beneficiamento, promovendo o transporte do mesmo em embarcações através do Rio Jacuí. O comprador de um dos herdeiros da casa assumiu a recuperação e preservação deste prédio no ano de 2011.
A Casa Borges antes da restauração - Fonte: Gazeta do Sul |
A Casa Borges após o excelente trabalho de restauração - Rio Pardo RS - Foto: Lisete Göller |
José Borges Sobrinho foi casado em primeiras núpcias com Dolores da Silva Gayer, falecida em 1920, tendo com ela 8 filhos. Casou-se em segundas núpcias com Flabelina Gayer, falecida em 1925, tendo os filhos Edith, Zélia e José deste casamento. Com a morte da esposa, houve a partilha referente ao sobrado, tendo cada filho recebido a sua terça parte relativa ao mesmo. Porém, estes filhos, que eram solteiros, faleceram na década de 1940, retornando o imóvel integralmente a José Borges Sobrinho, o único herdeiro. Conclui-se que o mesmo tenha renunciado a este bem em favor de seus filhos menores na época do inventário da esposa. José ainda teve mais 2 filhos após este casamento, antes de se casar em terceiras núpcias com Regina Maurília de Barros, tendo com esta outros 2 filhos, totalizando 15 filhos.
Pelo que se depreende, José construiu a casa térrea na Rua Coronel Franco Ferreira para sua moradia e de sua família, tendo o sobrado sido reservado para a parte administrativa de seus negócios na cidade de Rio Pardo. A próxima fase do sobrado começará com a sua venda pelo proprietário José Borges Sobrinho no ano de 1950.
FINAL DA 3ª PARTE
Obs.: continuação no Marcador: A Genealogia de um Sobrado - 4ª Parte e Epílogo
Muito bom este trabalho nos relembra muitas histórias de rio-pardenses
ResponderExcluirObrigada, pena que não deixou o seu nome. Abraço.
ExcluirOi Lisete. Gostei muito do teu Blog que me serviu, como ponto de partida para minha pesquisa sobre José Borges Sobrinho (meu Bisavô). Sou Nêmora Franco, professora de História e gostaria de informar, para que possas atualizar e corrigir sobre as núpcias e filhos deste personagem Rio-pardense. José Borges Sobrinho casou em 1as Núpcias com Dolores da Silva Gayer, filha de João Gayer. Com ela teve 8 filhos (dentre os quais a minha avó), ela morreu em 1920, sendo a última filha ainda bebê. 2as Núpcias Com Flabelina Gayer, filha de João Gayer que morreu com 27 anos em 1925. Teve outras duas filhas entre o 2º e 3º casamento e no 3º com Regina teve mais dois filhos, totalizando 15 filhos.
ResponderExcluirOlá, Nêmora. Já fiz a correção. Não tinha estes dados, a não ser os que têm a ver com o sobrado que foi do meu tetravô. Se quiseres, posso te passar o material que tenho relativo ao Cartório. Meu e-mail: lisetegoller@gmail.com
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