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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Memórias de Estudante I - A Música













A música acompanhou boa parte da minha vida estudantil. Foi nesta época que aprendi a tocar três instrumentos: o piano, o violão e o acordeão.





No Colégio Sévigné onde estudava eram ministradas aulas de piano num curso aberto ao público. Acho que foi no 2º ou 3º ano do Curso Primário que comecei a aprender a tocar este instrumento. Não lembro o nome da freira que me ensinava piano, mas lembro do apelido que lhe demos: “a bruxa do piano”. Coisas de criança. As aulas eram frequentadas à tarde e duas vezes por semana. Havia alunos de ambos os sexos e idades, lembrando que, naquele tempo, o Colégio era apenas aberto ao público feminino. No começo, gostava de ir às aulas. O livro de ensino era “O Método Rosa”, de Ernest Van de Velde, contendo músicas com nomes em francês. Lembro-me do “Au Clair de la Lune”, “Les Cadets de Gascogne”, “Le Carnaval de Venise”, entre outras músicas que a memória não conseguiu gravar.





Lembro-me de uma especialmente que falava de uma abelhinha (Petite Abeille Bourdonne), cuja melodia simples e singela jamais me esquecerei. Antes disso, preciso dizer que o local das aulas era num salão subdividido em pequenas salas. Eram cinco ou seis e, em cada uma delas, havia um piano. Continuando, numa tarde estava tocando na minha salinha esta música. Depois que a terminei, tendo acabado a aula, a minha mãe já me esperava do lado de fora. Foi então que ela me disse que havia ficado emocionada com a melodia que alguém estava tocando. E ficou mais comovida ainda ao saber que havia sido eu a pianista... 


A minha professora me achava uma boa aluna, mesmo sendo rígida no ensino, e não tivesse lá muita paciência. Lembro-me que, nas avaliações (acho que eram mensais), nós tínhamos que tocar na frente de todos os outros alunos. Era aterrador... Pois foi num destes exames que ela fez um comentário sobre a minha maneira de tocar piano, considerando-a como a forma mais suave dentre todo o grupo de alunos. Foi um grande elogio... É interessante comentar que, naquela época, aprendi a ler a clave de fá e a de sol (para a mão esquerda e direita respectivamente), lidas pelo pianista ao “mesmo tempo”, sendo bem diferentes entre si, com facilidade e naturalidade. Bem mais tarde, quando estudei acordeão, esta capacidade quase que desapareceu, ou seja, nunca mais fluiu como antes.


Com o passar do tempo, as aulas foram ficando monótonas. As músicas eram quase sempre as mesmas. Havia poucas partituras extras (não muito interessantes), além daqueles enfadonhos exercícios de escalas que quem estuda música conhece bem. Havia também a obrigação de tocar de olho no metrônomo, aparelho este que marca os compassos. Resumindo, eu já não tinha mais vontade de ir às aulas. Às vezes, ficava “doente” para poder faltar... Uma coisa até engraçada de lembrar foi que a freira tinha uma espécie de aparelho que servia para exercitar os dedos, no qual estes se encaixavam, fazendo um movimento dedilhado. A minha mãe, certo dia, contando que o meu irmão por causa do parto não tinha muito comando na mão direita, acabou conseguindo emprestado o tal aparelho. A freira receitou também um óleo de não sei o quê para passar na mão dele. Mas o meu irmão não gostou muito da ideia, e a mãe teve que devolver o estranho aparelho...


Foi então que a mãe descobriu uma professora de piano que dava aulas em seu apartamento, quase ao lado do nosso edifício da Rua Riachuelo. As aulas no Sévigné foram canceladas, e lá fui eu estudar com a Dona Linda. Ela era a avó da dentista Maríndia Soares, esposa do Deputado Zambiasi. O filho da Dona Linda também era dentista, mantendo um consultório no mesmo prédio. Durante certo tempo, estudei piano com ela. Diversificou o meu repertório, aprendi um pouco de teoria musical, mas não lembro se cheguei a aprender solfejo. No solfejo, com minhas humildes palavras de quem não tem muito boa memória, repassamos o aprendizado sobre a divisão dos tempos nos compassos, os tempos de cada nota dentro deles, podendo ser cantado, se a pessoa conhece bem o som das notas, ou apenas mencionando-se o nome das notas. É essencial para o estudo musical e para tocar verdadeiramente um instrumento.


Passados uns dois anos, se bem me lembro, não quis mais saber de piano. E foi encerrado o assunto. O piano é um belo instrumento. Necessita de dez a doze anos de estudo para tocá-lo bem. Não é nada prático, mas mesmo os teclados eletrônicos que existem hoje não chegam a ter a mesma magnitude daquele instrumento, embora portáteis e oferecerem inúmeros recursos. Para mim, serviu para criar sensibilidade, ampliar conhecimentos, apurar o ouvido para a música e enternecer a alma. O seu significado e o seu papel restaram assim concluídos.






Lembro-me que, depois desta fase pianística, comecei a estudar violão clássico (dito por música) e também por acompanhamento (através de acordes que é a prática comum), numa escola localizada na Rua dos Andradas, perto da Rua João Manoel. Era com um professor de violão. Não lembro mais o nome dele. O lugar era meio sombrio, e não aguentei o tranco por muito tempo. O violão por música é mais fácil de aprender do que o piano (em termos), já que para os preguiçosos a partitura só é lida na clave de sol. As músicas que o professor ensinava eram em geral muito chatas, tanto as clássicas quanto as populares.  


Depois, estudei no Instituto Musical Vienense da Prof. Sirley T. Partichelli, no período de 1967 a 1971 (dos 11 anos aos 15 anos de idade). Era uma escola situada na Rua Duque de Caxias, n.º 751, perto da Rua Bento Martins. Aliás, funcionava na própria casa da professora. Ela mudou-se posteriormente para outra casa, mais para o começo da rua. A Prof. Sirley era uma boa mestra. O ambiente era agradável, o curso era registrado na Secretaria de Educação, ou seja, com validade legal, e ficava apenas faltando para se profissionalizar fazer o exame da Ordem dos Músicos ao término do curso. Não o fiz naquela época. Ele deve ser feito quando o aluno está saindo da escola, preparado e atualizado. O meu violão era um Giannini. Fiz aulas de violão clássico (preparatório) e acompanhamento.







Foi então que comecei a estudar acordeão. Naquela época, era muito popular o instrumento. Fiz a bobagem de querer aprender. A mãe conseguiu comprar com muito custo e esforço um acordeão Scandalli de 120 baixos. Era vermelho, possuindo vários registros diferentes que possibilitavam sons semelhantes a outros instrumentos, como o clarinete. Comecei a enjoar no meio do caminho, mas a mãe endureceu e, já que havia feito o sacrifício de comprar o instrumento, eu teria que ir até o fim. Foi assim que acabei concluindo o curso em 28/12/1971, com suor, lágrimas e diplomas de Acordeão e de Teoria e Solfejo.



Diploma de Acordeão


Tocava razoavelmente bem. Aliás, eu quase não estudava em casa. Quando tinha exame, lia o que poderia cair, ou seja, familiarizava-me com as músicas, o que era muito proveitoso. Os exames consistiam em três ou quatro “pontos”, cada um incluindo músicas, escalas e solfejos diferentes. Era comum agrupar-se num só “ponto” os exercícios mais difíceis, e, muitas vezes, tive a “sorte” de pegá-los. Foi o que aconteceu, por exemplo, no meu último exame. Só não rodei, porque acho que a professora já estava farta de me ter como aluna. Afinal, era o coroamento de cinco longos anos... Lembro-me que foi um grande sufoco.


Desta forma, juntamente com o acordeão, estudei teoria musical e solfejo, coisas sobre as quais nem me lembro mais. Mas as muito básicas não esqueci. Bastaria somente rever a matéria, para que o antigo conhecimento ressurja de algum corredor sinuoso do cérebro. A Prof. Sirley, tempos depois de ter concluído o curso, mudou-se e nunca mais a vi. Guardo apenas os diplomas de Acordeão e o de Teoria e Solfejo, assim como os boletins com as notas (um deles foi assinado por meu pai). O acordeão foi vendido, mesmo porque ocupava muito espaço, e não tinha mais utilidade. Agradeço a minha mãe pelo esforço e pela dedicação em prol da minha educação musical.



O Diploma de Teoria e Solfejo


Numa visão crítica, penso que tive, na verdade, caprichos artísticos. Foram fases que acabaram sendo substituídas por outras, mas que no fundo valeram a pena. Continuei tocando violão, tirando as músicas eu mesma ou através de revistas, fazendo solos, cantando só ou acompanhada. Acho que parei quase que completamente quando ganhei a minha filha Fernanda. Faltava tempo e vontade. Lembro-me de ter cantado com ela aquela música chamada “A Chuva”. Pena que a fita gravada foi perdida... Desfiz-me do violão. Se não me engano o dei ao nosso zelador do Edifício Aldina na Rua dos Andradas. Depois disso, nunca mais toquei qualquer instrumento. Gosto muito da flauta transversal, mas este assunto não me fará entrar em outra maratona...




O distintivo que adornava a blusa do Orfeão do Colégio Sévigné



Quanto à minha aptidão “lírica”, o que fiz de mais importante na escola foi cantar no Orfeão do Colégio Sévigné. Isso aconteceu no curso primário, ou seja, entre 1963 e 1967, mas não sei precisar quando exatamente. O nosso uniforme de Orfeão era a nossa saia azul-marinho do colégio, a camisa branca, por baixo de uma espécie de blusa cavada azul-marinho, com o distintivo do Colégio que guardo até hoje, toda debruada de vermelho. Usávamos também a fita azul e vermelha do Colégio para arrematar. No teste de canto, classificaram-me como “sabiá”. O pássaro era de acordo com o tipo de voz. Havia também “canarinho” e “rouxinol”. Fazíamos apresentações no Colégio. Aliás, este tipo de coisa sempre me deixava muito nervosa. Não nasci para os palcos, embora aprecie estas manifestações artísticas dos mais corajosos.




A época dos Festivais de Música do Colégio Sévigné


Outro acontecimento, digno de lembrança, foi um Festival de Música que tivemos no Colégio Sévigné. Acredito que ocorreu entre os meus 12 e 13 anos. Naquela época, havia muitos festivais de música pela cidade. Frequentemente havia um ou outro conjunto tocando no nosso Salão de Atos. Daí que surgiu a ideia de realizar um Festival no Colégio. Os concorrentes eram do meio estudantil de vários colégios. Eu e minha amiga e colega Beth (Maria Elizabeth Coelho Noms), que éramos “unha e carne” encaramos a parada. Na verdade, quem fez a música e a letra fui eu, porque a Beth tocava pouco o violão. A música era bonita, porém sinceramente faltava nela uma segunda parte. Mas não tínhamos maturidade suficiente para entender dessas coisas. Eis a letra de “Canção de Esperança”, cuja melodia fico aqui devendo. Acho que o tom era Sol Maior:


“Nas estrelas há
Um mundo distante,
Ao contrário da Terra
Que vive e que ama,
Cujo sol ilumina a esperança,
Não sabem que a dor é perder
Um amor.
Não sei se eu
Perdi a esperança de encontrar
Aquela alegria das estrelas
Que vivem no espaço
De um eterno e pobre
Coração...”


Havia um laiá, laiá, etc., e voltava-se ao refrão a partir de “Não sei se eu...”. Ganhamos o 4º lugar do Festival. Os primeiros lugares ganharam prêmios, mas não ganhamos nada além de aplausos. Foi uma noite memorável, embora estivéssemos quase tremendo nas bases. No palco, só nós duas, ainda meninas, de vestidos curtos (o meu era azul rendado, com alguns bordados em miçangas e usava um anel de água-marinha que era da minha mãe), cantando apenas com o acompanhamento do meu violão. Os outros participantes usavam guitarras, baterias, etc. Acho que foi tudo tão singelo que por isso mesmo teve a sua beleza. Aquilo tudo nos marcou para sempre, tenho certeza...


Durante os tempos de Colégio, eu e a Beth fizemos algumas apresentações até em aula mesmo. Ela era bem afinada. Lembro-me quando cantávamos músicas como Killing Me Softly With His Song, I Will e outras dos Beatles, músicas de festivais como Viola Enluarada e O Cantador, as de tema de novela como Teletema e outras mais. Tantos hits antigos que para nós se tornaram eternos, porque marcaram uma trajetória importante do nosso passado...


Imagens: Internet e Arquivo Pessoal



4 comentários:

  1. Acredita que eu lembro da melodia dessa música até hoje!
    “Nas estrelas há
    Um mundo distante,
    Ao contrário da Terra
    Que vive e que ama,
    Cujo sol ilumina a esperança,
    Não sabem que a dor é perder
    Um amor.
    Não sei se eu
    Perdi a esperança de encontrar
    Aquela alegria das estrelas
    Que vivem no espaço
    De um eterno e pobre
    Coração...”

    Gente, voltei no tempo! Beijos

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    1. Não acredito que lembres! Mas que memória! Lamento não ter feito uma segunda parte, com música e letra, do modo mais certinho. Era muito inexperiente, e nem havia quem me desse conselhos. Beijos

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  2. Oi, sou músico também e ao ler esse teu texto fiz uma viagem pela nossa cidade e pelos sentimentos múltiplos que a música nos traz. Além disso, tu retrataste uma época em que, acredito eu, a gente era mais ingênuo e tinha muito mais sonhos. Obrigado, tornou meu dia mais leve!

    Um abraço e tudo de bom.

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    1. Obrigada, André, pelo carinho e pelas palavras de estímulo. É muito bom proporcionar momentos positivos na vida das pessoas, para que possam prosseguir na sua rotina diária, às vezes nada fácil... Um grande abraço!

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