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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Viagens - Rio Pardo RS


Espaço Cultural Panatieri - Foto: Arquivo Pessoal


MEMÓRIAS DE RIO PARDO (Em Memória de Johann Joseph Welter)



A partir das descobertas que fiz através de minhas pesquisas sobre a família de meu tataravô Joseph Welter, imigrante vindo de Buch, cidade da Renânia-Palatinado, Alemanha, nasceu o desejo de conhecer Rio Pardo, cidade onde meu ancestral estabeleceu sua última morada. Fazer viagens com esta finalidade é um acontecimento especialmente importante para todos aqueles que desejam conhecer as suas origens e resgatar a sua história. Para isto, é necessário buscar no tempo presente vestígios do passado, além de procurar reconstituir o cenário real onde os acontecimentos se desenrolaram. Contava eu com poucos dados, como o antigo nome da rua e a descrição da casa onde Joseph e a sua família haviam morado no longínquo ano de 1856. Acreditava que, com um pouco de sorte e intuição, poderia chegar àquele local que provavelmente estaria muito diferente daquele existente há mais de 150 anos. Felizmente, Rio Pardo ainda conserva muitos de seus prédios históricos que são testemunhos de importantes acontecimentos até mesmo da História do Rio Grande do Sul.



A antiga Rua da Ladeira - Foto: Arquivo Pessoal


Com esperanças na bagagem, algumas anotações e a câmera fotográfica, cheguei a Rio Pardo num dia frio e ensolarado do mês de julho de 2007. À medida que me aproximava mais e mais da cidade, algo mágico começava a acontecer. É difícil descrever em palavras, mas posso tentar traduzir como uma suave sensação de paz, algo sublime e reconfortante, que foi pouco a pouco fazendo morada em meu espírito. Há coisas que acontecem sem ter uma explicação racional, e acredito que o significado de tal acontecimento transcendeu a minha limitada compreensão.



Uma janela no tempo - Foto: Arquivo Pessoal



Assim, depois de estar instalada no hotel, saí a caminhar pela rua principal, chegando à antiga Rua da Ladeira, hoje denominada Rua Dr. Júlio de Castilhos, que conservou as suas características coloniais graças ao seu providencial tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional. Era o meu ponto de partida, pois sabia que alguma de suas transversais seria a rua que procurava. Naquele ano de 1856, era chamada de Rua da Praia, rua que talvez nem existisse mais... O problema central era conhecer o seu nome na atualidade. Já havia recebido uma informação incorreta anteriormente, obtendo um nome que correspondia ao da rua principal, o que me confundiu por algum tempo.



Prédio do Espaço Cultural Panatieri - Foto: Arquivo Pessoal


Mas uma ajuda providencial chegou inesperadamente: na Casa Panatieri encontrei, por uma agradável coincidência, a tia de uma ex-colega dos tempos do Colégio Sévigné, Elvira Panatieri, que me deu o nome de um senhor que conhecia em detalhes a história da cidade. Sou grata até hoje a esta pessoa, o Sr. José Ernesto Wunderlich, que me forneceu não só o nome atual, Rua General Câmara, mas também informações importantes sobre a casa e até mesmo o acesso a fotos antigas existentes em seu precioso acervo.



O antigo sobrado no ano de 2007 - Foto: Arquivo Pessoal


Lá estava o antigo sobrado de esquina: a “casa de sobrado coberta com soteia, localizada na Rua da Ladeira, fazendo esquina com a Rua da Praia, dando para o Passo da Jacuí”. Com o passar dos anos, havia sofrido severas alterações, passando por um incêndio desolador que havia devorado o madeirame que havia no seu interior. Mas as suas paredes ainda estavam de pé, edificadas desde um tempo que naquela época não saberia precisar (a construção teve seu término em meados de 1852). A soteia (ou açoteia) era um eirado ou terraço que se construía por cima das casas. Na casa de meu tataravô, este terraço era lateral à mesma. Contou-me o Sr. José Ernesto que este foi inicialmente construído em madeira e, posteriormente, foi substituído por tijolos. A soteia era a pista mais importante para o reconhecimento da casa. Hoje, porém, ela só existe nas fotos antigas. Seguem outros trechos que escrevi sobre a história dos Welter:



Detalhe do andar superior do sobrado - Foto: Arquivo Pessoal


“A família Welter mudou-se a seguir para a cidade de Rio Pardo. Não sabemos exatamente o ano da mudança, porém encontramos a escritura de compra de uma casa naquela cidade na dada de 09/07/1855. No documento está registrado que Joseph era credor de Carlos (Johann Carl) Oestereich (Östereich). Tendo Carlos falecido em 12/06/1855 nesta cidade e deixado dívidas pendentes, o filho André (Andreas), havia pedido à Justiça autorização para efetuar a venda e saldar a dívida. Tratava-se de uma casa de sobrado coberta, com sotéia, isto é, com um terraço na edificação, localizada na histórica Rua da Ladeira (Rua Júlio de Castilhos), fazendo esquina com a Rua da Praia (Rua General Câmara) que dava para o Passo do Jacuí. De um lado, fazia divisa com a casa pertencente a José Ignácio da Silveira e, de outro, com a casa de João Fischer. Na casa havia um local para negócios (no andar de baixo) e a mercadoria existente também entrou na transação. O valor da casa foi de 3 Contos de Réis (3.000.000) e os móveis e certa quantidade de mercadorias (descrita como “molhados”, ou seja, bebidas) pelo valor de 2 Contos de Réis (2.000.000), totalizando 5 Contos de Réis (5.000.000). Deste total foi a abatido o valor da dívida que era de 3 Contos e 180.000 Réis (3.180.000), recebendo de Joseph o valor em dinheiro de 1 Conto e 820 mil Réis (1.820.000) (Arquivo Público do RS, Transmissões, Rio Pardo, Livro nº 14, pág. 6, 1º Cartório).” 


O sobrado por volta de 1870


“Neste local, Joseph estabeleceu a sua casa de negócios comercializando diversas mercadorias, tais como: alimentos e bebidas (café, vinho, aguardente, cerveja inglesa, genebra, conhaque, absinto, capilé, latas de sardinha, pimenta do reino, canela, cravo, erva-doce, cominho, chás, alfazema, melado, vinagre, sal, erva, farinhas, feijão preto, arroz, açúcar, bacalhau e rapadura); mercadorias diversas (sabão, velas, chifres de vaca, charutos, fósforos, fumo, azeite, louças, utensílios de cozinha, pólvora, material de costura, linhas em novelos, botões de madrepérola, tinta de escrever e rapé); vestuário (tamancos, chapéus de palha, fazendas como chita, algodão e tecidos para calças, chapéus de Braga, lenços de seda, retalhos, paletó de riscadinha e pares de meias, inclusive para senhoras); ferragens (chumbo de caça, tesouras de alfaiate, cadinhos de ourives, balanças, foices, correntes), dentre outras mercadorias. Pela existência do crédito referido junto ao comerciante Carlos Oestereich, comprova-se que Joseph já era comerciante. Naquele tempo, as mercadorias vindas de Porto Alegre chegavam ao porto de Rio Pardo e iam para frente da Capela de São Francisco, onde ficavam por cinco horas para comercialização.”



A Capela de São Francisco - Foto: Arquivo Pessoal


O sobrado, após a morte de meu tataravô, em 13/02/1856, passou a pertencer ao negociante Jacob Luchsinger, que era o locatário de minha tataravó Catharina Welter, nascida Mossmann, tendo o encargo de vender certa quantidade de gêneros. Parte destes, ela levou para Ivoti, para onde se mudou com os filhos, e parte foi vendida em leilão em Rio Pardo, rendendo, porém, menos do que valiam. “Somente em 04/09/1858 foi lavrada a escritura de venda para Jacob Luchsinger, através de procuração feita a Apolinário Francisco Ferreira Guimarães. Foi vendida por 1 Conto e 650.000 Réis (1.650.000) em três pagamentos: 1 Conto de Réis à vista e dois de 325.000 Réis, no prazo de seis e nove meses respectivamente. Catharina estava morando em Picada 48, localidade de Ivoti com os seus filhos (Arquivo Público do RS, Transmissões, Rio Pardo, Livro nº 16, 2º Notário). Jacob Luchsinger nasceu em Glarus na Suíça. Casou-se com a viúva de Friedlin Schmidt, Louise Christine Fayette, filha de Guillaume Fayette e de Christine Schönhardt. Guillaume Fayette era calvinista, nascido em Genebra, na Suíça, e era relojoeiro (Imigrantes Alemães – 1824/1852, Gilson Justino da Rosa). O casal teve um único filho: João Rodolfo Miguel Luchsinger, que se casou com Guilhermina Eichenberg, na data de 12/07/1873, em Rio Pardo (Cúria Metropolitana de Porto Alegre, Casamentos, Rio Pardo, Livro 5-B, pág. 377)."



Joseph Welter foi sepultado no antigo cemitério que existia atrás da Igreja Matriz de Rio Pardo, onde hoje se situa a casa paroquial - Foto: Arquivo Pessoal



O sobrado nos anos 1940 (na esquina, à esquerda)


A casa, segundo me informaram, pertencia a uma família de Rio Pardo, tendo esta a intenção de vendê-la. Uma reforma seria o mais desejável, dado que é muito antiga e se encontra justamente na rua mais famosa da cidade. Além disto, pelo valor sentimental que possui para mim, seria a realização de um sonho e a preservação da memória de meu tataravô Joseph Welter. Há pouco tempo, obtive outras informações. O incêndio relatado anteriormente originou-se na Padaria Sperb, que funcionava no andar térreo. O telhado teria ruído após a minha visita a Rio Pardo. Mas o melhor ainda estava por vir: foi uma grande satisfação saber que, no ano de 2001, a casa havia sido tombada como patrimônio histórico do Município de Rio Pardo, e deverá ser restaurada de forma a restabelecer a sua arquitetura original. No ano de 2009, a casa apareceu no selo de comemoração dos 200 Anos da Câmara de Vereadores do Município.


Obs.: Ver as postagens sobre A Genealogia de um Sobrado, que revela a origem do mesmo.




Nota 1: O senhor José Ernesto Wunderlich, ao qual devo gratidão por haver me ajudado nesta busca pelos meus antepassados, faleceu em 17/12/2017, na cidade de Rio Pardo. Que esteja em paz junto a Deus! José Ernesto foi um dos fundadores da UNEAMA (União dos Ex-Alunos Amigos do Auxiliadora) e participou ativamente da luta pelo restauro do prédio da Antiga Escola Militar. Participou ainda da Diretoria do Centro Regional de Cultura Rio Pardo como Tesoureiro. Era conhecedor exímio da história de Rio Pardo e um amante da cultura brasileira (Fonte: Centro Regional de Cultura de Rio Pardo). 









Nota 2: Deixo aqui registrado o meu agradecimento ao grande jornalista, poeta, escritor e Diretor do Jornal de Rio Pardo, um apaixonado pela história desta cidade, Rogério Lima Goulart, que me forneceu informações valiosas para a minha pesquisa. Este faleceu no dia 12/06/2019, em Porto Alegre, depois de lutar bravamente pela vida.  








Na Praia dos Ingazeiros



A RUA DO SOBRADO

(Lisete Göller – 2007)

A rua do antigo sobrado
Dobra há tanto tempo esta esquina
Que não sabe onde é que foi parar
Aquele nome tão bonito que tinha.

E vive assim, há séculos esquecida
Das andanças dos que por ela passaram,
Pudesse eu lhe devolver as lembranças,
E as canções tão antigas que por ela ecoaram.

Ruazinha infinita que dá para o rio,
Procuro-te em vão nos mapas do passado,
Mas outra denominação veio a desviar teu curso
Que só me resta agora inventar teu traçado...


Texto revisado do ano de 2007, além de fotos de Rio Pardo que formam o meu acervo.



Igreja de Nossa Senhora do Rosário - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal


Igreja de Nossa Senhora do Rosário - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal


Igreja de Nossa Senhora do Rosário - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal


Gruta ao lado da Igreja Matriz - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Casa de Cultura de Rio Pardo, antiga Escola Militar - Foto: Arquivo Pessoal



Museu Barão de Santo Ângelo - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Igreja Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



O antigo Espaço Cultural Panatieri - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal 



Igreja de São Francisco - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Igreja de São Francisco - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Igreja de São Francisco - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Prédio da Prefeitura Velha - Secretaria de Turismo e Cultura de Rio Pardo - Foto: Arquivo Pessoal



Antigo Forum - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Instituto Medianeira - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



A antiga Rua da Ladeira - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



A imagem de Nossa Senhora do Rosário - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



O Rio Jacuí - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Café Sabor & Arte - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



Hotel Recanto do Imperador - Rio Pardo RS - Foto: Arquivo Pessoal



5 comentários:

  1. ...belas fotos. Pretendo visitar essa aula de história que é a cidade de Rio Pardo. Eternizar esse patrimônio Histórico nas páginas do meu blog.

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    1. Tenho um especial carinho por esta cidade, que é uma das mais antigas do Rio Grande do Sul. Um abraço.

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  2. Estive aí perto do final do ano passado. Incrível patrimônio histórico encontrado. Pena que parte dele esteja abandonado...foto na minha fan page https://www.facebook.com/Turismo-Carcam%C3%A2nico-208991652851716/?skip_nax_wizard=true ou futuramente no meu blog já existente sobre patrimônio http://raizesdaarquitetura.blogspot.com.br/

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  3. Olá! Essas fotos me deram vontade de visitar de novo essa cidade! Estive em Rio Pardo em 2016 quando descobri que meus antepassados também habitaram esta cidade. Me interessei por este post ao ver que continha fotos de sobrados. O da familia de minha bisavó era chamado de "Solar dos Quadros". Pegou fogo depois de um tempo e hoje se encontra abandonado na cidade. Triste demais de ver. Gostaria de saber se você teria alguma informação sobre os Quadros ou o Solar. Estou tentando reunir o máximo de informações que conseguir.
    Obrigada!

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    1. Olá, Gabi. Não tenho informações sobre este sobrado, mas vi que ele está no livro Lendas e Outras Histórias de Rio Pardo, do Rogério Lima Goulart. Ele está no Facebook para contatos. Fala das lembranças deste sobrado e até há uma foto durante o tal incêndio. Ele conhece bem a história. Fala com ele Boa sorte!

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