Carazinho RS |
AS LEMBRANÇAS DE MINHA IRMÃ ENEIDA
Começo a breve história de minha irmã Eneida Göller, quando meu pai, que era bancário e funcionário do antigo Banco Agrícola Mercantil S.A. (também chamado de Banagrimer), foi transferido para a filial de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul, na data de 01/11/1947, quando tinha 26 anos de idade. Não sabemos o seu endereço neste período. Ele ficou noivo de minha mãe, que residia em Porto Alegre, casando-se com ela na data de 26/02/1949 em Alegrete, cidade-natal desta, localizada na fronteira do Estado. A partir de 05/03/1949, o casal hospedou-se no antigo Hotel Liberal e, posteriormente, foi morar num apartamento alugado.
Começo a breve história de minha irmã Eneida Göller, quando meu pai, que era bancário e funcionário do antigo Banco Agrícola Mercantil S.A. (também chamado de Banagrimer), foi transferido para a filial de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul, na data de 01/11/1947, quando tinha 26 anos de idade. Não sabemos o seu endereço neste período. Ele ficou noivo de minha mãe, que residia em Porto Alegre, casando-se com ela na data de 26/02/1949 em Alegrete, cidade-natal desta, localizada na fronteira do Estado. A partir de 05/03/1949, o casal hospedou-se no antigo Hotel Liberal e, posteriormente, foi morar num apartamento alugado.
Prédio (amarelo) do antigo Hotel Liberal de Carazinho |
A mãe ficou grávida nos primeiros meses de casamento. Num determinado mês de gravidez, aconteceu um incidente. Ela havia subido num banquinho para alcançar uma prateleira, quando desequilibrou-se e caiu no chão. A esposa do gerente do Banco a levou para o hospital, voltando para casa depois de ser atendida. Posteriormente, contava que, no 8º mês de gestação, começou a sentir dores e desconforto. Dizia que os sintomas seriam provavelmente causados pela troca de lua, coisa que se dizia costumeiramente na gravidez. Possivelmente, ela não havia compreendido bem a gravidade da situação. Desta forma, ela foi conduzida para o Hospital de Caridade de Carazinho. Anos mais tarde, o pai contou ao meu irmão, que o parto teve que ser realizado, porque a vida de nossa mãe estava em risco. Havia uma chance de a Eneida sobreviver, e o futuro foi entregue nas mãos de Deus.
Pelos poucos detalhes que conhecemos, presume-se que a mãe teve pré-eclâmpsia, uma síndrome que se caracteriza por elevação da pressão sanguínea, perda de proteína pela urina (albuminúria), edema, entre outros sintomas, podendo evoluir em eclâmpsia, quando a paciente apresenta convulsões e vai ao coma. A cura é realizar o parto. Mas havia outro complicador: ela estava no 8º mês de gestação. Neste período, o feto apresenta imaturidade pulmonar. Existe uma substância chamada surfactante, que começa a ser produzida pelo pulmão do feto por volta do 6º mês de gestação e que tem a função de diminuir a tensão superficial dos alvéolos, para que eles não “colem”, quando o ar passar por eles nos primeiros movimentos respiratórios do recém-nascido. No 8º mês, como o feto entra numa fase de crescimento rápido e de ganho de peso, a quantidade de produção de surfactante não acompanha o tamanho do pulmão, não sendo suficiente para favorecer a respiração adequada ao recém-nascido neste mês crítico. A condição ideal é alcançada apenas no 9º mês. A melhor conduta teria sido realizar o parto no 7º mês, quando este problema poderia ser contornado. Não sabemos como foi o acompanhamento da gravidez de minha mãe, pois só restaram-nos os acontecimentos posteriores.
O Hospital de Caridade de Carazinho, que veio a se chamar Hospital Comunitário |
Quando a Eneida nasceu, fizeram um sinal negativo com a cabeça. A mãe ficou preocupada. Dizia que ela apresentava “pintinhas” na pele. Contava que ela não chorou e, em seguida, a Eneida foi levada para outro local. Conforme as anotações de próprio punho de minha mãe, minha irmã veio ao mundo no dia 30/12/1949, às 17 horas e 30 minutos, numa sexta-feira, na lua quarto – crescente, mas veio a falecer no mesmo dia às 23 horas, tendo vivido cerca de 6 horas no Hospital de Carazinho. Um padre deu-lhe uma benção. Minha mãe ficou muito triste e abalada. A pequena Eneida foi sepultada no dia 31/12/1949, no Cemitério Municipal de Carazinho num túmulo perpétuo. Quem cuidou da manutenção do túmulo durante anos foi a Dona Antônia Martins dos Santos. Na data de 10/03/1950, meus pais, juntamente com a minha avó materna e uma irmã de criação de minha mãe, foram residir na cidade de Ijuí, para onde o meu pai foi novamente transferido. Meus pais voltaram a visitar Carazinho, fato comprovado pelas fotos datadas do ano de 1950.
Túmulo de Eneida Göller em 1950 (o sobrenome está com a grafia modificada) |
Passadas algumas décadas, fomos eu, o pai e a mãe até Carazinho em meados do mês de novembro de 1983. Ficamos num hotel da cidade, e fomos visitar o túmulo da Eneida. Lembro-me bem daqueles belos dias de primavera: o céu estava límpido, azul e fazia muito calor. Depois de lavá-lo, pintei o túmulo com tinta prateada, pois estava precisando de manutenção. Tiramos algumas fotos naquela oportunidade. A mãe queria muito voltar a Carazinho, para rever “um pedaço dela” que havia ficado tão longe de nós. Naquela época, o meu pai já não se sentia muito bem. Os problemas com a pressão e o coração começavam a aparecer. A viagem o deixou muito cansado. Lembro-me que, naquela estada, na janela do quarto do hotel, havia uma persiana, dessas que possuem uma estrutura de metal em volta e que se projeta para fora. Nela, vinha pousar seguidamente um passarinho, um pardalzinho. Imaginei que talvez fosse o espírito dela que vinha nos brindar com a sua presença, sob a forma de um alegre passarinho...
Meus pais junto ao túmulo de Eneida - Nov/1983 |
Muitos anos se passaram, cerca de 30 anos, e retornei a Carazinho em 2012, na véspera de meu aniversário. Era como se estivesse na cidade pela primeira vez. Cheguei sob forte chuva, após um dia de intenso calor de verão. Isto me lembrou a primeira vez em que a mãe veio morar em Carazinho. Depois de chegar ao Hotel Liberal, caiu uma chuva pesada e ela observou que a chuva só esperou eles chegarem para começar a cair... Depois de deixar a bagagem no Hotel San Remo, num domingo, fui até a praça, pois a chuva havia passado e fiz as primeiras fotos e os primeiros reconhecimentos: a praça das lembranças de 1983, a igreja das fotos dos anos 40 e 50, um mosaico de recordações... No dia seguinte, no dia de meu aniversário, fui até o túmulo da Eneida, marcado com as transformações impiedosas da passagem do tempo e precisando de manutenção. Havia muitas mudanças no lugar, desde a última vez em que lá estive.
A praça central de Carazinho, que antes era chamada de Praça Brasil |
No dia seguinte, fui ao Cartório pedir as certidões de minha irmã. A surpresa desagradável foi saber que ela havia sido registrada como natimorta, sem direito a um nome, contrariando o que sabíamos sobre os fatos. Parece que só havia a de óbito e que foi declarado por meu pai. O que teria havido? Talvez meu pai tenha recebido o documento do hospital dizendo que ela havia nascido morta e, naquela hora confusa e angustiante, tenha deixado o registro assim mesmo. Uma característica de meu pai era deixar as coisas inevitáveis do jeito que estivessem e não reclamando ou exigindo mudanças, diferentemente de minha mãe. Dela herdei este lado inconformado. Os fatos foram registrados por minha mãe e é neles que acreditamos. A explicação de só haver a de óbito me foi dada no Cartório, mas verifiquei posteriormente outra realidade nos livros de registros de nascimentos até 1940 de Carazinho, no Arquivo Público do Estado do RS (foram os que chegaram a esta Instituição), nos quais constatei que os natimortos também possuíam registros de nascimento.
Vista da Praça Iron Albuquerque - Carazinho RS |
Segundo me informaram, somente nos anos 90 é que os natimortos passaram a ter livros próprios. O que pude apurar é que o médico que atestou o óbito foi o Dr. Athaídes Osório. Pela tarde, passei em frente ao Hospital de Caridade, mais modernizado, agora chamado de Hospital Comunitário. Ele começou a funcionar em 09/08/1942, segundo pesquisei. Algo me fez deixá-lo para trás o mais rápido possível. Nos dias seguintes, fiz alguns passeios e conheci diversos lugares, procurando partir de Carazinho sem guardar mágoas... A história de Eneida Göller, chamada por nós de Neidinha, foi breve neste plano em que vivemos, mas viveu tempo suficiente para que conseguisse ser eternamente lembrada por nós. Lamento a falta que esta irmã fez na minha vida. Lamento de ela não ter tido as oportunidades que nós tivemos, não ter sobrevivido, para conduzir a sua própria história. Mas ela conquistou o seu lugar para sempre, dentro do espaço infinito de nossos amorosos corações...
Texto escrito em Fevereiro/2012
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