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domingo, 1 de outubro de 2023

Família Abarno - Histórias


O MÚSICO VICTOR PIETRO ABARNO


Victor Abarno com o popular chapéu-palheta – Início da Década de 1920


Victor Abarno (*01/01/1909 Alegrete RS/+20/08/1989 Porto Alegre RS) era filho de Victor Manoel Abarno e Doralina Pietro e neto do imigrante italiano Nicola Abarno e da alegretense Maria do Carmo Machado. Sua paixão pela música manifestou-se desde a juventude, tendo escolhido o violão como instrumento de manifestação de seu talento. O destino, anos mais tarde, o levou à perda da visão, mas esta limitação física não o afastou de seu amor à música, sabendo aplicar, com maestria, os conhecimentos do instrumento que já dominava. 


Victor Abarno – Década de 1930

Nos anos 1930, Victor Abarno fez parte do Conjunto Regional de Piratini, apelido de seu criador, radialista e músico Antônio Francisco Amabile (1906-1953). Este foi o fundador da Casa do Artista Rio-Grandense, inaugurada em 1949, no Bairro Glória, em Porto Alegre RS. Amabile e seu Regional tiveram o auge do sucesso entre a segunda metade da década de 1930 e a década 1940. Conjunto Regional é como se chamavam os grupos que interpretavam a música popular brasileira, especialmente o chorinho. 

Amabile criou o programa “Hora do Bicho”, no auditório da Rádio Difusora, que foi ao ar em 1937, sendo este um concurso para artistas principiantes. Quando o artista não correspondia ao esperado, este era ‘bombado’ e desclassificado. Na foto abaixo, vemos Victor Abarno, com seu violão, no canto esquerdo, ao lado dos demais integrantes do conjunto. No ano de 1944, devido ao grande sucesso do programa, este foi transferido para o Cinema Rex. 


Jornal Folha da Tarde, Porto Alegre, 04/10/1937, pg. 14.

O conjunto naquela época era composto por Antônio Amabile na flauta, “Carne Assada” no cavaquinho, Japonês, apelido de Victor Abarno, Dutra no segundo violão (mais tarde este saiu do grupo) e o pandeirista Mateus Nunes, o Caco Velho. Este último chamava-se Mateus Nunes, tendo recebido o apelido pela música “Caco Velho”, de Ary Barroso, que bem a interpretava. Além disso, foi parceiro de Antônio Amabile nas músicas “Carreteiro” e “Mãe Preta”, gravada pela portuguesa Amália Rodrigues, que mudou a letra e o nome para “Barco Negro”, vindo depois a ser o tema musical no filme “Os Amantes do Tejo”.

No ano de 1938, o Regional foi contratado pela Rádio Belgrano, de Buenos Aires, que mudou o nome para Conjunto Regional Brasileiro. A turnê durou 5 meses e, em junho de 1939, apresentou-se na Rádio Carve, de Montevidéu. Numa listagem de 1938, relativa ao buque General Alvear, navio de bandeira argentina, que partia do porto de Montevidéu, a pesquisadora encontrou os nomes dos artistas que figuravam no rol de passageiros. Na volta ao Brasil, Amabile continuou o seu trabalho na Difusora com o Regional, até a sua morte em 1953. Esta importante parte da história será contada mais adiante, através da transcrição de uma matéria veiculada na Revista do Globo. 

Victor Abarno continuou sua carreira de músico no Conjunto Regional. Ele havia se casado, em 03/07/1948, com Octacília Maria (Ceci) Dias de Farias (1907-1994). No ano seguinte, o casal teve o filho José Luiz Farias Abarno. O regional começou a se apresentar dentro da programação da Radio Farroupilha, especialmente no programa infantil “Clube do Guri”. Este programa era realizado ao vivo semanalmente, sendo comandado por Ary Rêgo (1918-2007), entre os anos de 1950 e 1966. Além do pianista, Ruy Silva, que tocava neste programa, o acompanhamento musical era realizado pelo Regional de Victor Abarno que utilizava os instrumentos cavaquinho, violão, violão tenor, flauta, pandeiro e bateria. Dentre os músicos que integravam o conjunto naquele tempo estavam o Victor, conhecido como "Japonês", Zico, Plauto Cruz, Zeno Ribeiro e Antoninho Maciel. Eles eram músicos conceituados e atuavam também em outros horários na rádio Farroupilha, mas não participavam de ensaios juntos. No dia do programa, eles eram orientados pelo pianista Ruy Silva. Como disse Ary Rego: "Esses aí (risada), era só dizer o tom pra eles, não precisava nem o Ruy tocar, era só dizer: é fá maior e eles ‘tavam’ tocando todos juntos (Ary Rego, com Dayse Rego p. 41).


A célebre foto de Elis Regina com o radialista Ary Rêgo, no programa “Clube do Guri”, que marcou época entre agosto de 1950 e julho de 1966; este ia ao ar pela Rádio Farroupilha, para a apresentação artística de crianças e adolescentes. Elis Regina teve seu começo neste programa, em 1957, aos 12 anos de idade. 


TRANSCRIÇÃO DA PUBLICAÇÃO DA REVISTA DO GLOBO DE 15/04/1961

Porto Alegre Musical (II)
Piratini, o da “Hora do Bicho”
Reportagem de Ney Fonseca

A vida artística de Antônio Amabile, mais conhecido por Piratini, iniciou-se mesmo em 1922, no 4º Distrito, quando entrou para o bloco carnavalesco “Passa Fome e Anda Gordo”. Nesta época, tinha apenas 15 anos e já trazia no sangue o micróbio da música. Mas ele não parou aí. De gênio irrequieto, Piratini queria chegar às alturas, que para ele representavam no rádio local. E o fez ingressando na Rádio Gaúcha, quando a mesma se situava nos altos dos Moinhos de Vento. Essa oportunidade abriu-lhe as portas da vida artística de Porto Alegre. Entrava na Gaúcha como contador de anedotas. E com certeza foi um dos pioneiros nessa especialidade, pois só muito tempo depois é que começaram a aparecer as anedotas radiofonizadas.


Além de compositor de sucesso, Piratini idealizou uma das grandes obras de caridade: a Casa do Artista Rio-Grandense.


Piratini era um homem dos sete instrumentos: além de atender a sua joalheria e os programas radiofônicos, tinha ainda tempo para jogar futebol com os colegas da Gaúcha.

Piratini na Gaúcha teve outra ideia: por que não transformar as anedotas em forma de esquetes? A ideia foi aprovada e Piratini começou a colocar ao seu lado outros artistas, amigos seus, que esperavam uma oportunidade. Veio Ema D’Ávila, Caco Velho e até o então famoso Paulo Coelho, transferiu-se com armas e bagagens para aquela rádio. Assim, aos poucos, o conjunto foi se completando.


Acima, outra fotografia do conjunto criado por Piratini (Victor Abarno com o violão 1º dir.).


A “Hora do Bicho” foi outra de suas ideias. Grandes artistas de hoje receberam bumbadas no palco, por ordem de Antônio Amabile.

Da mesma forma que sempre procurava inovações para apresentar no microfone, assim também trocava de emissora. Da Gaúcha foi para a Farroupilha de onde, por questão de um aumento não concedido, passou para a Rádio Difusora. Era, entretanto, um dos artistas mais bem pagos do rádio sulino, pois ganhava 200 cruzeiros por mês. Piratini tinha destas surpresas, um dia apareceu ante o diretor da emissora e pediu sua demissão: “Não é por nada – disse à guisa de explicação – é que estou pretendendo fazer uma tournée pela Argentina.” E de fato foi. Seguiu o caminho de outros artistas, que procuravam levar sua arte para fora do Rio Grande do Sul.


Nesta foto aparece Piratini cercado de elementos de seu conjunto e por Renê Bell, mãe da conhecida Estelita Bell, num esquete, tão à moda naquela época (Victor Abarno 4ª da esq. p/dir.). 



Acima, com o conjunto, entre outros, vê-se “Carne Assada”, Japonês (Victor Abarno 1º esq., sentado), Caco Velho e Suzana Ribeiro. Era um dos conjuntos de maior sucesso em Porto Alegre.


Ainda hoje o velho “Carne Assada”, companheiro em todas as horas de Antônio Amabile, recorda aquela festa de aniversário da Rádio Belgrano, de Buenos Aires. Durante a apresentação do conjunto de Piratini, quando o mesmo cantava um samba embolado, o locutor argentino, fazendo as vezes de cômico, começou a dar manivela nas costas de Piratini, como se este fosse um realejo. A plateia caiu no riso, o que não compreendeu Piratini, pensando que houvesse algo de anormal na música. Só um bom quarto de hora depois é que notou os movimentos do locutor. Mas não perdeu a presença de espírito, encaminhou-se para um boneco que se achava num canto do palco, agarrou-o no colo e passou a dançar, fazendo com que a plateia viesse abaixo de tantas gargalhadas e o locutor do programa se sentisse desprestigiado.


O Conjunto fez grande sucesso em Buenos Aires, quando se apresentou frente ao microfone da Rádio Belgrano, em 1938 (Victor Abarno 1º esq., sentado).


Outro fato interessante, nesta ocasião, ocorreu quando, ao entrar no palco, Piratini notou que uma das chaves de sua flauta estava quebrada, não servindo para mais nada. O único remédio foi colocar uma borracha no lugar e tocar assim mesmo. Para ele a maior surpresa foi que a flauta tocou melhor com esse conserto à última hora.

Longe de Porto Alegre, Antônio Amabile ficou cinco meses, apresentou-se com seu conjunto em Buenos Aires, Montevidéu e Assunção, ganhando aplausos e o cartaz que o acompanhou até sua morte.

Suas composições mais famosas, até hoje cantadas são: “Mãe Preta”, “Navio Negreiro” e “Amargo”. Outra é “Carreteiro”, que foi composta numa viagem, pelo interior do Rio Grande do Sul, entre Rio Pardo e Encruzilhada. Conta “Carne Assada” que Piratini sentiu-se inspirado quando viu uma tropa de gado que partia para o matadouro. Compôs a música, gravou-a na memória e na mesma ocasião, compôs “Navio Negreiro”.


Um de seus melhores amigos foi “Carne Assada”. Os dois fizeram de parceria várias músicas. “Carne Assada” vive ainda (1961).


Entretanto, Antônio Amabile ficou conhecido como o “Homem da Hora do Bicho”. Aos domingos não havia rádio, em casa de pobre ou de rico, que não sintonizasse o programa máximo de Porto Alegre. 

Piratini não ficou só nisso, idealizou e criou algo que ficará gravado para sempre, na história artística do Rio Grande do Sul: a Casa do Artista Rio-Grandense, fundada para abrigar os velhos artistas, para os quais a vida foi madrasta. A campanha para o erguimento desta Casa foi outra luta à parte na vida de Piratini. Perdeu horas de sono, sonhou milhares de vezes e, por fim, antes de sua morte, pôde ver seu idealismo concretizado. E até mesmo gente famosa, como o cômico mexicano Cantiflas, ajudou a construção da Casa do Artista.

Victor Pietro Abarno, depois de anos de trabalho como músico, aposentou-se. Faleceu em 20/08/1989, em Porto Alegre RS, sendo sepultado no Cemitério Municipal da Tristeza na Capital.



Fontes:
Anotações e fotos do acervo pessoal;
Apontamentos para uma história da música na era de ouro do rádio em Porto Alegre, de Luís Fernando Rabello Borges;
Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira;
Porto Alegre: uma biografia musical, de Arthur de Faria;
Revista do Globo, edição de 15/04/1961.